13.04.2013 Views

HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

HOMERO NUM MANUSCRITO INÉDITO i

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 413<br />

primeira, reforça a coesão textual e sugere eficazmente o adensamento<br />

de uma atmosfera trágica, numa situação de impasse.<br />

«Ao longe, o mar ressoava em cadência». Considerado em si<br />

mesmo, este período é até bastante banal, modelado em estruturas<br />

que pertencem ao foro da prática interdiscursiva de um povo de marinheiros,<br />

como o nosso n . Por outro lado, constitui uma variante<br />

da sequência já analisada que se encontra no texto queirosiano — «o mar<br />

ressoante». Porém, quer isoladamente, quer no seu conjunto, nenhuma<br />

destas motivações nos autoriza a excluir essa frase do intertexto homérico,<br />

não só porque é parte integrante de um texto a ele umbilicalmente<br />

ligado, como temos visto, mas também pelos vestígios homéricos que<br />

nela sobrevivem. Os motivos do mar e do som obrigam-nos a encará-la<br />

como uma composição intertextual, realizada a partir de elementos<br />

homéricos, como «la mer aux bruits sans nombre» (p. 3) e «ses armes<br />

ressonnèrent sur son corp» (p. 91).<br />

Recapitulando, diremos, para terminar, que da leitura intertextual<br />

do manuscrito de Eça de Queirós em confronto com o seu<br />

modelo homérico, resultam as seguintes conclusões:<br />

1. Uma tão flagrante semelhança dos dois intertextos no plano<br />

da expressão que quase todos os elementos que se lêem no texto de Eça<br />

de Queirós se encontram no texto de Homero. Tal semelhança vai<br />

desde proposições inteiras até ao simples lexema — sobretudo o que no<br />

texto homérico ocorre com mais frequência —, passando pelos sintagmas<br />

e sequências sintagmáticas.<br />

2. Tal semelhança no plano da expressão só pode ser devidamente<br />

entendida em conexão dialéctica com a diferença, que se verifica<br />

também no plano do conteúdo, de acordo com a visão global de um<br />

macrotexto que nós não conhecemos, mas em que o fragmento narrativo<br />

em questão se deve inserir e a que já nos referimos na Nota 5 (p. 3).<br />

3. Essa diferença resulta de um complexo processo de derivação,<br />

de uma espécie de «gramática transformacional», coenvolvendo todo<br />

um jogo de supressões, substituições, adições, expansões e paráfrases,<br />

que confere ao intertexto queirosiano uma feição marcadamente agonística<br />

e é imposto pelo código técnico-narrativo de Eça de Queirós.<br />

11 Na célebre «Serenada» de Antero de Quental, de que existe partitura e<br />

ainda hoje é cantada, há mesmo um verso de estrutura afim: «Murmurava ao ionge<br />

o mar» (Martins, 1985: 294-295).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!