Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 411<br />
Só na «Rhapsodie X», que continua a ser o nosso ponto de referência,<br />
aparecem nada menos que vinte e três occorrências : «Le brave Ménélaos<br />
parla ainsi» (p. 172); «Et le roi Agamémnon parla ainsi» (p. 172);<br />
«il parla ainsi» (pp. 173, 175, 177 etc.); «Ayant ainsi parlé» (pp. 173,<br />
175, 178, 181); «[Nestor] lui parla rudement» (p. 175); «Ils parlèrent<br />
ainsi» (p. 179); «Et le Troien parlait encore quand la tête tomba dans<br />
la poussière» (p. 184); «il avait à peine parlé» (p. 186).<br />
A persistência, neste núcleo intertextual, da isotopia da fala impôs-se<br />
ao escritor com demasiado peso, para que a não mantivesse no seu<br />
texto. Aliás, ela harmoniza-se perfeitamente com o sintagma «Os<br />
chefes», quer a nível de significante, como vimos, quer a nível de significado,<br />
pois os interlocutores do diálogo homérico ocupam, de facto,<br />
postos de chefia, como Agamémnon, Menelau, Nestor, Ulisses e<br />
outros.<br />
Não se pense, porém, que a esta atitude conformista se limita<br />
a operação intertextualizante de Eça de Queirós: o seu texto opõe-se<br />
ao texto homérico, através de transformações relevantes, ditadas pela<br />
estrutura do seu enunciado e pelo seu código tecnico-narrativo. Assim,<br />
a pluralidade homérica dos interlocutores individualizados com antropónimos,<br />
aparecem no hipertexto queirosiano absorvidos no plural<br />
sintético e abstactizante — «os chefes». E a pluralidade das vozes e<br />
das falas surge concisamente concentrada na forma verbal — «falavam».<br />
Desta maneira, todo um Canto de Homero cabe numa frase de Eça<br />
de Queirós, e a variedade dos seus discursos reduz-se a um só discurso,<br />
o discurso narrativizado, já referido — «os chefes falavam em baixo».<br />
Eis, pois, a interferência intertextual — mais relevante do que<br />
parecia à primeira vista — da «Rhapsodie X» no hipertexto queirosiano.<br />
Quanto ao segmento «com os longos cabelos sob a face e os olhos<br />
no solo», nele sobrevive, como vestígio palimpséstico, o epíteto homérico<br />
«les Akhaiens chevelus», cujo elevado número de ocorrências<br />
na tradução de Leconte de Lisle (cf. pp. 20, 21, 29, 32, 33, 131, 142,<br />
147, 151, etc.) faz dele um verdadeiro estereótipo, agora plasmado no<br />
texto português em «longos cabelos». Digno de nota é o cuidado com<br />
que Eça de Queirós evitou toda a aspereza do texto francês, eivado de<br />
arestas iónicas — bem sugestivas de «la poésie des vieux Rhpsôdes<br />
connus sous le nom d'Homère», que o tradutor francês procurou traduzir<br />
«dans son caractère héroïque et rude», como diz ele no polémico<br />
«Avertissement». No que diz respeito aos outros elementos do mesmo<br />
conjunto, temos de convocar um quinto núcleo intertextual, para tornar<br />
inteligível a sua génese. Referimo-nos àquele passo da «Rhapsodie V»,<br />
em que um guerreiro troiano, atingido pela espada de Antíloco, «tomba