Ëlllililfllspi 3. EI/253-B, fól. [23v], 4. EI/253-B, fol. [24]. '•ki'0
<strong>HOMERO</strong> <strong>NUM</strong> <strong>MANUSCRITO</strong> <strong>INÉDITO</strong> 377 erguendo-se (*23v) junto ao mar ressoante, chamara Apolo Vingador. E o Deus viera, dos cimos olímpicos, com a aljava cheia, que, sobre as espáduas do Deus, fazia a cada largo passo, sobre o anel, um ruído de pratas estropeadas. Primeiro ele ferira os cavalos, que, amarrados junto à tenda, comiam o lótus; depois ferira os molossos rápidos; por fim, trespassava os guerreiros, que tombavam, fazendo na areia um ruído de armas caídas. Sem cessar, as longas flechas silvavam através do acampamento: (* 24) agachados à sombra das naves, que se rachavam em seco nas abas da praia, os homens fortes, com os longos cabelos sob a face, e olhos no solo, sentiam o coração tremer; os carros de batalha jaziam acima, brilhando vagamente, com as rodas enterradas na areia; na sombra da tenda, luziam os escudos redondos, as espadas de pregos de prata; os chefes falavam em baixo, e sem cessar, entre os gritos de dor de mulheres esguedelhadas, e com a túnica aberta, as piras fumegavam, carregadas de cadáveres. Ao longe, o mar ressoava em cadência 4 . Para além da presença de Homero, o manuscrito constitui, pelas rasuras, emendas e entrelinhas que apresenta, um documento em nosso entender valiosíssimo quanto ao espaço percorrido pelo escritor entre o ante-texto e o texto, e também quanto à luta que teve de travar, ao ver-se apanhado nas malhas da intertextualidade 5 . É que não se trata apenas de uma obra-prima de compositio: sem prejuízo da originalidade, é também um produto acabado de imitatio intertextual 6 . 4 Esta transcrição que, sem margem para graves erros, podemos considerar definitiva, é o resultado da leitura pouco fácil de um texto ainda menos legível em microfilme que no original ou em fotocópia. Procurámos torná-la tão fiel quanto possível ao texto original, incluindo a pontuação tão peculiar de Eça de Queirós em certos contextos, neste como noutros manuscritos do escritor. Mas só com esforços repetidos nos foi possível ir eliminando, uma a uma, as várias dúvidas suscitadas pela primeira leitura. A única lectio que durante mais tempo resistiu a uma conclusão definitiva, foi a forma «rachavam». Porém, depois de um reexame atento da letra de Eça de Queirós, e atendendo ao contexto verbal em que tal lexema se insere, não vemos qualquer outra alternativa plausível. O Leitor, porém, poderá fazer a sua verificação no texto que deixamos reproduzido em fac-simile, no final deste trabalho. 5 Tal autógrafo terá feito parte de uma peça narrativa de mais longo fôlego. Tratar-se-ia, com toda a probabilidade, das «Viagens de Ulisses», que Eça de Queirós se havia encarregado de escrever para a projectada revista O Serão, nos números 2-6, conforme se pode 1er em outro manuscrito inédito, que faz parte do espólio de Eça de Queirós (Esp. 1/276). Esse abortado projecto não foi inútil : dele e do ciclo homérico a que pertence, viria a sair essa pequena jóia literária que é o conto «A Perfeição», elaborado a partir principalmente do Canto V da Odisseia, mas também de outros Cantos dessa mesma epopeia e da Ilíada. Tal conto, já o escritor o havia designado sob o título significativo de Ulisses. Como estes textos, também o presente manuscrito é o fruto de uma leitura atentíssima dessas epopeias homéricas. 6 O Leitor menos familiarizado com a teoria da intertextualidade, poderá 1er com proveito o Cap. 3, «Tradition and Poetry» de W. F. Jackson Knight (1966: 99-142).