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Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa

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me político), Austregésilo <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>, Guilherme<br />

Figueire<strong>do</strong>, Raimun<strong>do</strong> Magalhães Júnior, Raimun<strong>do</strong><br />

Faoro, Mário Barata e tantos outros. Além <strong>de</strong><br />

dirigentes da instituição e intelectuais <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque,<br />

como Danton Jobim, Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Morais, neto,<br />

Barbosa Lima Sobrinho e Fernan<strong>do</strong> Segismun<strong>do</strong>.<br />

Experientes jornalistas, vivi<strong>do</strong>s, generosos e <strong>de</strong><br />

diferentes cre<strong>do</strong>s políticos, como Gomes Maranhão,<br />

Abelar<strong>do</strong> Jurema, Hélio Fernan<strong>de</strong>s, Marcial<br />

Dias Pequeno, José Chamilete, João Saldanha<br />

(para mim era acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o técnico da seleção<br />

campeã <strong>de</strong> 1970) e Ivan Alves. Sem falar <strong>de</strong> honra<strong>do</strong>s<br />

e corajosos militantes, muitos vin<strong>do</strong>s da<br />

geração <strong>de</strong> 1935, como Henrique Miranda, Paulo<br />

Mota Lima, e outros mais novos, como Augusto<br />

Villas Boas, Pompeu <strong>de</strong> Souza, Nilson Azeve<strong>do</strong><br />

além da (então) nova geração, como Mo<strong>de</strong>sto da<br />

Silveira, Mauricio Azê<strong>do</strong>, Ronal<strong>do</strong> Buarque, Davit<br />

Fichel e Jesus Chediak. To<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>ram sua contribuição ao embate contra o Leviatã,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> e levan<strong>do</strong> marcas.<br />

Para a entida<strong>de</strong> convergiam, inclusive pelo espaço<br />

físico <strong>do</strong> prédio e sua localização central no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, “tribos” as mais variadas: o pessoal<br />

da música, <strong>do</strong> teatro, da crítica literária, das artes<br />

plásticas, da <strong>de</strong>fesa da Amazônia, <strong>do</strong> cinema, os<br />

militares cassa<strong>do</strong>s... Na falta <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s representativos,<br />

<strong>de</strong> sindicatos livres e outros canais <strong>de</strong><br />

participação, a ABI ampliara, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> golpe civil-militar<br />

<strong>de</strong> 1964, seu papel <strong>de</strong> abrigo <strong>de</strong>mocrático,<br />

espaço não apenas <strong>de</strong> convivência,<br />

mas também <strong>de</strong> resistência.<br />

A entida<strong>de</strong> tornou-se uma espécie<br />

<strong>de</strong> guarda-chuva que acolhia, formal ou<br />

informalmente, setores varia<strong>do</strong>s da intelectualida<strong>de</strong><br />

e <strong>do</strong>s grupos políticos e<br />

sociais, além <strong>do</strong>s próprios jornalistas.<br />

Era impressionante para os olhos<br />

<strong>de</strong> um a<strong>do</strong>lescente assistir a encontros<br />

e <strong>de</strong>bates no auditório da entida<strong>de</strong>:<br />

certo dia era um sindicalista barbu<strong>do</strong><br />

chama<strong>do</strong> Lula pregan<strong>do</strong> a criação <strong>de</strong><br />

um parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res; outro<br />

dia era um sena<strong>do</strong>r e usineiro alagoano,<br />

Teotônio Vilela, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a<br />

anistia ampla, geral e irrestrita para<br />

presos e exila<strong>do</strong>s; no fim <strong>de</strong> semana<br />

havia sessões <strong>de</strong> filmes alternativos ou<br />

censura<strong>do</strong>s no Cineclube Macunaíma;<br />

marcante foi o grupo com cartazes<br />

nas mãos trazen<strong>do</strong> fotos <strong>de</strong> familiares<br />

“<strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s” nos porões da<br />

repressão; fazia dó ver o banheiro <strong>do</strong><br />

7° andar, da Diretoria, literalmente em<br />

pedaços, <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> por uma bomba jogada<br />

por grupos paramilitares.<br />

OS EMBATES DA CASA<br />

Importante assinalar que a ABI não<br />

somente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u as liberda<strong>de</strong>s essenciais,<br />

como foi vítima, através <strong>de</strong><br />

vários integrantes, das violências da<br />

ditadura. Dirigentes, conselheiros e<br />

sócios da instituição foram ameaça<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>miti<strong>do</strong>s, cassa<strong>do</strong>s, exila<strong>do</strong>s,<br />

presos, tortura<strong>do</strong>s e até assassina<strong>do</strong>s.<br />

É verda<strong>de</strong> que havia na Casa <strong>do</strong> Jornalista<br />

pessoas <strong>de</strong> direita, conserva<strong>do</strong>res,<br />

oportunistas e até <strong>de</strong>latores. Por<br />

isso se enten<strong>de</strong> que meu avô tenha reconheci<strong>do</strong><br />

que a instituição era um<br />

“saco <strong>de</strong> gatos”. Mas a gran<strong>de</strong> diferença<br />

é que, nos embates internos da entida<strong>de</strong>,<br />

os grupos <strong>de</strong> esquerda e <strong>de</strong>mocráticos<br />

tinham o pre<strong>do</strong>mínio e a hegemonia<br />

– ao contrário <strong>do</strong> que ocor-<br />

Jornal da ABI<br />

ria no restante da socieda<strong>de</strong> brasileira. Daí a <strong>de</strong>nominação<br />

<strong>de</strong> trincheira da liberda<strong>de</strong>.<br />

Documento sugestivo foi elabora<strong>do</strong> pelo Cenimar<br />

(órgão <strong>de</strong> informação e repressão da Marinha)<br />

sobre a ABI e distribuí<strong>do</strong> para outros órgãos, como<br />

Dops (Departamento <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social),<br />

Centro <strong>de</strong> Informação <strong>do</strong> Exército (CIE), SNI (Serviço<br />

Nacional <strong>de</strong> Informações) e Secretaria <strong>de</strong> Segurança.<br />

Data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1974 e (infelizmente)<br />

sem assinatura, é bem redigi<strong>do</strong>, claro<br />

e articula<strong>do</strong>, lembran<strong>do</strong> estilo jornalístico. Nele se<br />

dá notícia <strong>do</strong>s “comunistas notórios, simpatizantes<br />

e atuantes” que estariam “se apossan<strong>do</strong> da <strong>Associação</strong>”<br />

a partir da eleição <strong>de</strong> Elmano Cruz como<br />

presi<strong>de</strong>nte. Denominava-se no ofício a João Antônio<br />

Mesplé como chefe <strong>de</strong>sta “célula comunista” que<br />

contava, segun<strong>do</strong> a mesma fonte, com a participação<br />

<strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Segismun<strong>do</strong>, Gumercin<strong>do</strong> Cabral,<br />

Fausto Cupertino, Henrique Cor<strong>de</strong>iro, Paulo Mota<br />

Lima, Gentil Noronha e Maurício Azê<strong>do</strong>. Afirmava<br />

ainda o relatório que se agregavam a este grupo<br />

“elementos cassa<strong>do</strong>s” como Edmar Morel e José<br />

Gomes Talarico, que se reuniam periodicamente no<br />

gabinete <strong>de</strong> Segismun<strong>do</strong>, no 10° andar da entida<strong>de</strong>.<br />

Esta peça <strong>de</strong>latora encontra-se anexada às fichas<br />

<strong>de</strong> meu avô no acervo <strong>do</strong> Dops, hoje sob a guarda<br />

<strong>do</strong> Arquivo Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Edmar Morel, como tantos outros, tivera seus<br />

direitos políticos cassa<strong>do</strong>s, isto é, não podia votar,<br />

nem ser vota<strong>do</strong>, nem ter cargo público ou emprés-<br />

A bomba <strong>de</strong>tonada na ABI em 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1976 tinha alvo certo: seus diretores. Como era<br />

muito ce<strong>do</strong>, estavam na Casa apenas funcionários, como Hugo Martins (foto), da Tesouraria.<br />

<strong>Edição</strong> <strong>Especial</strong> <strong>do</strong> <strong>Centenário</strong><br />

Volume<br />

2<br />

timo <strong>de</strong> bancos oficiais, por exemplo. Além <strong>do</strong><br />

preconceito social que seguia os cidadãos cassa<strong>do</strong>s,<br />

dificultan<strong>do</strong>-lhes acesso a empregos priva<strong>do</strong>s e<br />

outras possibilida<strong>de</strong>s. Cassa<strong>do</strong> mas não castra<strong>do</strong>,<br />

como costumava brincar, soltan<strong>do</strong> uma gargalhada<br />

(sempre brincalhão, <strong>de</strong> bom humor e irreverente).<br />

Certo dia, nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1977, abor<strong>de</strong>i Carlos<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que se dirigia ao saguão<br />

da entida<strong>de</strong>, com seu jeito magro, seco, paletó cinza,<br />

óculos e pasta <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> braço. Ele disse-me que<br />

fazia questão <strong>de</strong> ir à ABI para votar (era dia <strong>de</strong> eleição<br />

para Diretoria e Conselho Administrativo):<br />

– Ah, meu filho!... Hoje em dia é tão raro!... Eu<br />

não ia per<strong>de</strong>r uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta! Além <strong>do</strong><br />

mais, até cassa<strong>do</strong> po<strong>de</strong> votar na ABI. Eu não sou<br />

cassa<strong>do</strong>, mas não ia per<strong>de</strong>r uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta!<br />

Estávamos em plena ditadura, quan<strong>do</strong> muitos<br />

cidadãos oposicionistas, com os direitos políticos<br />

cassa<strong>do</strong>s, eram candidatos e eleitos na ABI. A <strong>de</strong>claração,<br />

simples, me soou com estron<strong>do</strong>: então o<br />

celebra<strong>do</strong> poeta maior <strong>do</strong> País se posicionava assim<br />

claramente contra a ditadura? Posso, sem armas,<br />

revoltar-me? Ao mesmo tempo, vejo hoje, foi uma<br />

admirável síntese <strong>do</strong> papel representa<strong>do</strong> pela ABI<br />

enquanto instituição da socieda<strong>de</strong> civil naqueles<br />

tempos. E <strong>de</strong> repente, quan<strong>do</strong> me <strong>de</strong>i conta, Drummond<br />

já partira, com seu jeito gauche. Mas eu me<br />

sentia largamente recompensa<strong>do</strong> pelo encontro<br />

relâmpago: uma flor nascera no asfalto.<br />

ACERVO ABI/BIBLIOTECA BASTOS TIGRE<br />

OS JORNALISTAS QUE<br />

NÃO SE VENDERAM<br />

Foi nesse contexto, com os gran<strong>de</strong>s<br />

jornais fechan<strong>do</strong> as portas para ele e<br />

outros jornalistas numa <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> totalitarismo político, que Edmar<br />

Morel começou a fazer as pesquisas<br />

que resultaram no livro A Trincheira<br />

da Liberda<strong>de</strong> – História da ABI.<br />

A vida <strong>do</strong> meu avô Edmar fora<br />

bruscamente alterada com o golpe<br />

civil militar <strong>de</strong> 1964. Ele, um <strong>do</strong>s<br />

gran<strong>de</strong>s profissionais da imprensa,<br />

um <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>res da mo<strong>de</strong>rna reportagem<br />

no Brasil, repórter <strong>de</strong> fama,<br />

gran<strong>de</strong> repercussão, que trabalhara<br />

nos principais jornais cariocas e realizara<br />

viagens internacionais e nacionais,<br />

<strong>de</strong>núncias, investigações,<br />

polêmicas e embates <strong>de</strong>mocráticos,<br />

não pô<strong>de</strong> mais sobreviver <strong>de</strong> jornalismo<br />

a partir daí. Teve que trabalhar<br />

em relações públicas, publicida<strong>de</strong> e<br />

como ghost writer, embora sempre tenha<br />

continua<strong>do</strong> a escrever para jornais,<br />

até falecer 25 anos <strong>de</strong>pois, mas<br />

sem a mesma ampla repercussão e<br />

sem tirar daí seu sustento. Os direitos<br />

autorais <strong>do</strong>s livros, embora ven<strong>de</strong>ssem<br />

bem, eram insignificantes,<br />

em geral inexistentes.<br />

Vale assinalar que Edmar fez parte<br />

<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> jornalistas que se<br />

opôs ao golpe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros momentos<br />

e por isso teve os direitos políticos<br />

cassa<strong>do</strong>s logo no dia 14 <strong>de</strong><br />

abril <strong>de</strong> 1964, na segunda lista <strong>de</strong> puni<strong>do</strong>s<br />

pela nova situação. Joel Silveira,<br />

Franklin <strong>de</strong> Oliveira, Samuel Wainer,<br />

Barbosa Lima Sobrinho, Nelson<br />

Werneck Sodré, Gumercin<strong>do</strong> Cabral,<br />

Otávio Malta, Paulo Alberto Monteiro<br />

<strong>de</strong> Barros (futuro Artur da Távola),<br />

Sebastião Nery, Antônio Mesplê,<br />

Osval<strong>do</strong> Costa, Elói Dutra, Henrique<br />

Cor<strong>de</strong>iro, Ib Teixeira, entre ou-<br />

O REPÓRTER QUE DESVENDOU NOSSA HISTÓRIA<br />

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