Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
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TRÊS JÚLIOS E UM RUY, TODOS MESQUITA<br />
68<br />
notícias a respeito da guerra <strong>de</strong> Canu<strong>do</strong>s.<br />
Embala<strong>do</strong> por essas inovações, O Esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> S. Paulo chega ao final <strong>do</strong> século XIX<br />
como o maior jornal <strong>de</strong> São Paulo, superan<strong>do</strong><br />
o Correio Paulistano. Proprieda<strong>de</strong> exclusiva<br />
da família Mesquita a partir <strong>de</strong> 1902,<br />
o jornal apoiou a causa aliada durante a<br />
Primeira Guerra Mundial, e por isso sofreu<br />
represália da comunida<strong>de</strong> alemã na cida<strong>de</strong>,<br />
que retirou to<strong>do</strong>s os anúncios <strong>do</strong> jornal.<br />
Mesmo assim, Mesquita manteve a posição<br />
<strong>de</strong> seu diário.<br />
Em 1915, passou a circular a edição vespertina<br />
<strong>do</strong> jornal, conhecida como Estadinho,<br />
dirigida pelo então jovem Júlio <strong>de</strong><br />
Mesquita Filho, que iniciava sua carreira<br />
jornalística. Seu irmão, Francisco Mesquita,<br />
se <strong>de</strong>dicava à área administrativa da<br />
nova publicação. Essa edição circulou até<br />
1921 e ficou conhecida como um jornal<br />
irrequieto e às vezes irreverente, sobretu<strong>do</strong><br />
quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> ao Estadão, como<br />
era chamada a edição da manhã. Terminada<br />
a Primeira Guerra, o jornal enfrentou tempos<br />
difíceis com a gripe espanhola, que fez<br />
milhares <strong>de</strong> vítimas em São Paulo, inclusive<br />
<strong>do</strong>is redatores <strong>de</strong> sua equipe.<br />
REPRODUÇÃO<br />
O TALENTO DE JÚLIO MESQUITA<br />
O impacto das mudanças produzidas por Júlio<br />
Mesquita à frente <strong>do</strong> Estadão pô<strong>de</strong> ser medi<strong>do</strong> em<br />
números. Quan<strong>do</strong> começou, o jornal tirava em torno<br />
<strong>de</strong> 4 mil exemplares, o bastante para disputar<br />
a li<strong>de</strong>rança <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> local. No dia <strong>de</strong> sua morte,<br />
ocorrida em 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1927, a situação da<br />
publicação era outra. Ao longo <strong>de</strong> 39 anos <strong>de</strong> trabalho,<br />
tempo em que ele passou <strong>de</strong> funcionário a<br />
empresário, transformou O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo numa<br />
publicação <strong>de</strong> importância nacional, com uma tiragem<br />
que chegava aos 60 mil exemplares diários.<br />
A mudança não foi apenas quantitativa, evi<strong>de</strong>nciada<br />
pela explosão na circulação. A obra <strong>de</strong> Júlio<br />
Mesquita consistiu principalmente em impor mudanças<br />
<strong>de</strong> concepção. Ele afastou a publicação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />
partidário e <strong>de</strong>ixou como herança um jornal nos<br />
mol<strong>de</strong>s que o merca<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta até os dias atuais: produtor<br />
<strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> eventos em suas reportagens e<br />
fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> análises em editoriais e artigos.<br />
Outra mudança terminou por alçar o gerente à<br />
condição <strong>de</strong> proprietário <strong>do</strong> jornal. A regra <strong>do</strong> jornalismo<br />
partidário era dar <strong>de</strong>staque ao artigo assina<strong>do</strong><br />
pelo diretor ou gerente <strong>do</strong> jornal, sempre<br />
candidato a intervir no mun<strong>do</strong> político, publican<strong>do</strong>-o<br />
no alto da primeira página. Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
assumira seu posto, Júlio Mesquita <strong>de</strong>fendia como<br />
norma o anonimato <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong> redatores. Para<br />
ele, um texto sem assinatura valia muito mais que<br />
outro assina<strong>do</strong>; enquanto este último trazia sempre<br />
uma opinião pessoal, o anonimato permitia<br />
construir textos que fossem isentos, e por isso mais<br />
valiosos para o público; representariam o jornal<br />
como um to<strong>do</strong>, e não apenas um <strong>de</strong> seus membros.<br />
Assim, pelas mãos <strong>de</strong> Mesquita, nascia o mo<strong>de</strong>lo<br />
que influencia os editoriais até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />
Ao mesmo tempo, Mesquita <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u outras<br />
modificações, como a filosofia <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s os<br />
textos <strong>do</strong> jornal <strong>de</strong>veriam se submeter a uma norma<br />
única <strong>de</strong> gramática e estilo, imposta por profissionais<br />
especializa<strong>do</strong>s. A contenção <strong>do</strong> espaço<br />
para a promoção pessoal <strong>de</strong>ixou muitos insatisfeitos.<br />
A prevalência <strong>do</strong> interesse geral sobre a carreira<br />
política particular tornava o investimento em<br />
cotas <strong>do</strong> jornal pouco interessante para muitos <strong>de</strong><br />
seus <strong>de</strong>tentores originais, sempre <strong>de</strong> olho em divi<strong>de</strong>n<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> natureza política. Pouco sensíveis aos<br />
resulta<strong>do</strong>s econômicos crescentes, acabaram ven-<br />
Jornal da ABI<br />
<strong>de</strong>n<strong>do</strong> suas cotas para o gerente, que aos poucos<br />
se tornou o proprietário <strong>de</strong> O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo.<br />
Mas nem só <strong>do</strong> talento <strong>de</strong> Júlio Mesquita se alimentava<br />
o crescimento <strong>do</strong> jornal. Houve a colaboração<br />
<strong>de</strong> escritores ilustres. Monteiro Lobato,<br />
que estreou com um artigo sobre a situação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />
rurais, escreveu outro em que retratava<br />
a figura <strong>do</strong> Jeca Tatu. Era um <strong>do</strong>s colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
jornal, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> nomes como Olavo Bilac, Raul<br />
Pompéia e Guilherme <strong>de</strong> Almeida. Também Eucli<strong>de</strong>s<br />
da Cunha fez história na casa. O repórter que<br />
publicaria Os Sertões saiu da Redação com a missão<br />
<strong>de</strong> tomar notas e fazer estu<strong>do</strong>s para escrever<br />
um trabalho <strong>de</strong> fôlego sobre Canu<strong>do</strong>s e Antônio<br />
Conselheiro. Cumpriu a missão com mestria.<br />
Em 1922 o Estadão comemorou o centenário da<br />
In<strong>de</strong>pendência com uma edição <strong>de</strong> 64 páginas, um<br />
marco na época. Na capa, uma gran<strong>de</strong> ilustração<br />
com as imagens <strong>de</strong> D. Pedro I e <strong>do</strong> patriarca José<br />
Bonifácio. Na Revolução <strong>de</strong> 1924, quan<strong>do</strong> revoltosos<br />
comanda<strong>do</strong>s pelo General Isi<strong>do</strong>ro Dias Lopes<br />
ocuparam e bombar<strong>de</strong>aram a capital <strong>de</strong> São Paulo,<br />
o jornal teve sua circulação suspensa pela primei-<br />
Volume<br />
2<br />
<strong>Edição</strong> <strong>Especial</strong> <strong>do</strong> <strong>Centenário</strong><br />
REPRODUÇÃO<br />
Intelectuais <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s, como Monteiro Lobato (à esquerda), retratan<strong>do</strong> Jeca Tatu, o homem da roça, e Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, com as<br />
reportagens que geraram o admirável Os Sertões, granjearam para o jornal <strong>do</strong>s Mesquita relevo especial na imprensa <strong>do</strong> País.<br />
ra vez, no dia 29 <strong>de</strong> julho, pelas forças fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />
Artur Bernar<strong>de</strong>s. Júlio Mesquita chegou a ser preso<br />
e envia<strong>do</strong> para o Rio, sob a alegação <strong>de</strong> ter tão<br />
somente manti<strong>do</strong> diálogo com os militares rebel<strong>de</strong>s<br />
que haviam ocupa<strong>do</strong> a cida<strong>de</strong> durante os 23 dias<br />
<strong>de</strong> duração da Revolução. Em 1929, O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S.<br />
Paulo ganhou uma ação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por suspensão<br />
ilegal da circulação ocorrida cinco anos antes.<br />
EMBATES COM GETÚLIO VARGAS<br />
Com a morte <strong>de</strong> Júlio Mesquita, em 15 <strong>de</strong> março<br />
<strong>de</strong> 1927, Júlio <strong>de</strong> Mesquita Filho e Nestor Pestana<br />
assumiram a direção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Dois anos <strong>de</strong>pois,<br />
a redação e a administração, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1906<br />
funcionavam na Praça Antônio Pra<strong>do</strong>, inauguraram<br />
se<strong>de</strong> própria na Rua Boa Vista, on<strong>de</strong> permaneceriam<br />
até o fim <strong>do</strong>s anos 40. Júlio <strong>de</strong> Mesquita<br />
Filho e seu irmão Francisco Mesquita, que apoiaram<br />
Getúlio Vargas em 1930, lutaram contra ele<br />
na Revolução Constitucionalista <strong>de</strong> 1932, quan<strong>do</strong><br />
São Paulo recorreu às armas para exigir uma<br />
nova Constituição. Foram presos e envia<strong>do</strong>s para<br />
o exílio em Portugal.<br />
Ruy Mesquita, da terceira geração da família, foi editor <strong>de</strong> Internacional <strong>do</strong> Estadão e funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> inova<strong>do</strong>r Jornal da Tar<strong>de</strong>.<br />
O ESTADO DE S.PAULO