Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
TRÊS JÚLIOS E UM RUY, TODOS MESQUITA<br />
70<br />
Na década <strong>de</strong> 70 o jornal endivi<strong>do</strong>u-se para a<br />
construção <strong>de</strong> sua nova se<strong>de</strong> na Marginal Tietê e<br />
passou por severa crise financeira; buscava assim<br />
disputar o merca<strong>do</strong> com o novo padrão <strong>de</strong> jornalismo<br />
representa<strong>do</strong> pela Folha <strong>de</strong> S. Paulo, seu principal<br />
concorrente. A época era favorável para a<br />
construção <strong>de</strong>sse prédio, mas no final <strong>do</strong>s anos 70<br />
veio a crise <strong>do</strong> petróleo, que afetou duramente o<br />
País e gerou fortes <strong>de</strong>svalorizações cambiais. A<br />
empresa enfrentou até o início <strong>do</strong>s anos 80 uma<br />
crise financeira difícil; ficou sem condições <strong>de</strong> fazer<br />
investimentos, teve que reduzir custos e negociar<br />
sua dívida com os bancos. Somente com o auxílio<br />
<strong>de</strong> um especial conselho consultivo – forma<strong>do</strong><br />
por José Mindlin, Antônio Ermírio <strong>de</strong> Moraes,<br />
Roberto Teixeira da Costa e José Carlos Morais <strong>de</strong><br />
Abreu — foi feita uma capitalização na OESP Gráfica,<br />
com a geração <strong>de</strong> recursos que garantiram<br />
novo fôlego à empresa.<br />
Em 1986, o Esta<strong>do</strong> contratou o jornalista Augusto<br />
Nunes para assumir o posto <strong>de</strong> diretor <strong>de</strong> Redação.<br />
Ele renovou o noticiário e empreen<strong>de</strong>u uma<br />
série <strong>de</strong> reformas gráficas, que redundariam na<br />
a<strong>do</strong>ção, em 1991, <strong>de</strong> cores no jornal e <strong>de</strong> edições<br />
diárias. Até então o Esta<strong>do</strong> não circulava às segundas-feiras<br />
e dias seguintes a feria<strong>do</strong>s. Com a morte<br />
<strong>de</strong> Júlio <strong>de</strong> Mesquita Neto, em 1996, o jornal<br />
passou a ser dirigi<strong>do</strong> por seu irmão, Ruy Mesquita,<br />
até então diretor <strong>do</strong> Jornal da Tar<strong>de</strong>.<br />
Após uma fracassada experiência no campo das<br />
telecomunicações, o Grupo Esta<strong>do</strong> passou por uma<br />
reestruturação em 2003, e a maior parte da família<br />
Mesquita <strong>de</strong>ixou os cargos <strong>de</strong> direção. Demissões<br />
em massa ocorreram no Grupo e uma nova<br />
reformulação gráfica foi feita em 2004, com a criação<br />
<strong>de</strong> novos ca<strong>de</strong>rnos, que ren<strong>de</strong>ram à publicação<br />
diversos prêmios <strong>de</strong> excelência gráfica. Além<br />
<strong>do</strong> jornal O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo, o Grupo Esta<strong>do</strong><br />
publica o Jornal da Tar<strong>de</strong> e <strong>de</strong>tém controle sobre a<br />
OESP Mídia (1984), empresa que atua no ramo <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> classifica<strong>do</strong>s. Pertencem<br />
ao Grupo Esta<strong>do</strong> as rádios El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> AM e FM<br />
(1958) e a Agência Esta<strong>do</strong> (1970), maior agência<br />
<strong>de</strong> notícias <strong>do</strong> País.<br />
Atualmente o jornal é o quarto em circulação<br />
no Brasil, com uma média diária <strong>de</strong> 250 mil exemplares.<br />
O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo comemora em 4 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 2009 seus 134 anos <strong>de</strong> fundação e 129 anos<br />
<strong>de</strong> vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte – <strong>de</strong>sconta<strong>do</strong>s os cinco anos<br />
em que esteve sob intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo.<br />
Hoje, com um parque industrial <strong>de</strong> última geração,<br />
com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprimir cores em todas as suas<br />
páginas, o Estadão é o coroamento <strong>de</strong> uma trajetória<br />
que teve início com uma impressora manual<br />
Alauzet, movida por ex-escravos contrata<strong>do</strong>s<br />
que foram responsáveis diretos pela impressão <strong>do</strong><br />
primeiro número <strong>do</strong> jornal, em 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
1875, com o nome A Província.<br />
Em abril <strong>de</strong> 2004, o jornalista Ruy Mesquita,<br />
diretor <strong>de</strong> Opinião <strong>de</strong> O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo, foi<br />
agracia<strong>do</strong> com o prêmio Personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação<br />
2004, conferi<strong>do</strong> pela <strong>Associação</strong> <strong>Brasileira</strong><br />
<strong>de</strong> Jornalismo Empresarial, marcadamente pelo<br />
trabalho histórico em <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa.<br />
Sobre o futuro, Ruy Mesquita é taxativo.<br />
“Só sobreviverão os jornais que se tornarem leitura<br />
indispensável <strong>de</strong> certos setores da socieda<strong>de</strong>,<br />
as classes dirigentes - os empresários, os intelectuais,<br />
os políticos - sem a pretensão <strong>de</strong> concorrer<br />
em termos <strong>de</strong> números <strong>de</strong> circulação com as audiências<br />
da internet ou mesmo da televisão. Ninguém<br />
lê jornal para se distrair ou se entreter. Lê<br />
para se informar, para se atualizar, para, enfim,<br />
melhor se preparar para vencer na vida, para exercer<br />
plenamente a sua cidadania”, afirmou em entrevista<br />
recente.<br />
Jornal da ABI<br />
“Nenhum Mesquita tem fortuna pessoal”, disse sem mágoa Ruy Mesquita, que há mais <strong>de</strong> 60 anos bate ponto no jornal.<br />
Os Mesquita sabiam fazer jornais;<br />
ganhar dinheiro, não<br />
Os Mesquita sempre estiveram volta<strong>do</strong>s para<br />
a função institucional <strong>do</strong> jornal; nunca tiveram<br />
a mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresários. A observação foi<br />
feita pelo jornalista Ruy Mesquita em longa entrevista<br />
concedida em 2004 ao programa Roda<br />
Viva, da TV Cultura <strong>de</strong> São Paulo, da qual participaram,<br />
além <strong>do</strong> media<strong>do</strong>r Paulo Markun, os<br />
jornalistas Roseli Figaro, Caio Túlio Costa,<br />
Mauro Sales e Milton Coelho da Graça, o cientista<br />
político João Roberto Martins Filho, professor<br />
da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Carlos, e a historia<strong>do</strong>ra<br />
Beatriz Kushnir, que atualmente é Diretora<br />
<strong>do</strong> Arquivo Geral da Cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro e acabara <strong>de</strong> lançar o livro Cães <strong>de</strong> guarda:<br />
jornalistas e censores <strong>do</strong> AI-5 à Constituição <strong>de</strong><br />
1988. Ruy Mesquita respondia a uma pergunta<br />
<strong>de</strong> Milton Coelho, que contou que foi editorchefe<br />
<strong>de</strong> O Globo e na época a rádio corre<strong>do</strong>r<br />
falava <strong>de</strong> um suposto acor<strong>do</strong> entre o jornal <strong>de</strong><br />
Roberto Marinho e O Estadão e a Folha <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, para que O Globo não se instalasse em São<br />
Paulo e os <strong>do</strong>is jornais paulistas não fossem para<br />
o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Milton quis saber se isto era<br />
verda<strong>de</strong>. Mesquita respon<strong>de</strong>u:<br />
— O Esta<strong>do</strong> nunca quis ir para o Rio porque<br />
não tinha condição para isso; era uma empresa<br />
próspera e tal, mas mo<strong>de</strong>sta, e também não<br />
tinha gran<strong>de</strong> interesse em ir. Os Mesquitas<br />
nunca tiveram a mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresário,<br />
nunca foram empresários; eles sempre puseram<br />
acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> a função institucional <strong>do</strong> jornal.<br />
O Mesquita mais rico individualmente foi meu<br />
avô, Júlio Mesquita, que tinha fortuna pessoal<br />
quan<strong>do</strong> morreu. Quan<strong>do</strong> meu pai morreu – eu<br />
guar<strong>do</strong> isso como um galardão <strong>de</strong> honra — , o<br />
inventário <strong>de</strong>le, feito no atual escritório Manuel<br />
Alceu Ferreira, não continha um tostão fora <strong>do</strong><br />
que ele tinha na empresa, embora ele dissesse<br />
sempre para nós: “Com vocês nunca vai acontecer<br />
o que aconteceu comigo”.<br />
— Quan<strong>do</strong> Getúlio Vargas confiscou o jornal,<br />
meu pai ficou sem ter o que comer. Ele estava<br />
exila<strong>do</strong> em Buenos Aires <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1938 e em 1943<br />
acabou o dinheiro <strong>de</strong>le. Ele tinha vendi<strong>do</strong> a última<br />
coisa que possuía, que era a casa em que<br />
morou aqui em São Paulo. Como não era con-<br />
Volume<br />
2<br />
<strong>Edição</strong> <strong>Especial</strong> <strong>do</strong> <strong>Centenário</strong><br />
<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelo Tribunal <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />
cria<strong>do</strong> por Getúlio, ao contrário <strong>de</strong> meu tio<br />
Arman<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sales Oliveira, cunha<strong>do</strong> <strong>de</strong>le, que<br />
estava exila<strong>do</strong> com ele e fora con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, meu<br />
pai arriscou voltar para São Paulo. Estava no<br />
final da ditadura <strong>de</strong> Getúlio e se prenunciava a<br />
vitória <strong>do</strong>s Alia<strong>do</strong>s na Segunda Guerra Mundial.<br />
Ele voltou para São Paulo <strong>de</strong> trem, porque não<br />
tinha dinheiro para pagar passagem <strong>de</strong> navio ou<br />
<strong>de</strong> avião. Para ver se arrumava alguma coisa para<br />
fazer da vida, ele foi morar com minha mãe<br />
numa quitinete na Rua Barros não sei o quê,<br />
aqui <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da Rua Major Sertório. Ele ia comer<br />
na casa <strong>do</strong> meu tio, on<strong>de</strong> eu morava.<br />
— O Esta<strong>do</strong> foi <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong>pois, em<br />
1945. Os anos <strong>de</strong> intervenção foram a fase mais<br />
próspera <strong>do</strong> jornal, porque a gestão financeira da<br />
ditadura na empresa foi muito boa. Os homens<br />
que o Getúlio pôs lá para gerir a parte comercial<br />
e financeira <strong>do</strong> jornal nada tinham <strong>de</strong> políticos,<br />
tanto que foram manti<strong>do</strong>s lá pelo meu tio, Francisco<br />
Mesquita, que era o diretor <strong>de</strong> administração<br />
<strong>do</strong> jornal.Eles ficaram lá até o fim da carreira<br />
<strong>de</strong>les. O jornal atravessava a sua fase mais próspera.<br />
Meu pai dizia para nós: “Eu agora vou cuidar<br />
<strong>de</strong> arrumar a vida <strong>de</strong> vocês fora <strong>do</strong> jornal, para<br />
que nunca mais vocês passem o que eu passei”.<br />
— Quan<strong>do</strong> papai morreu, como contei – tenho<br />
aí guarda<strong>do</strong> o inventário <strong>de</strong>le —, <strong>de</strong>ixou exclusivamente<br />
o apartamento on<strong>de</strong> morava, que<br />
não era um apartamento milionário. Era um<br />
excelente apartamento, mas não era um apartamento<br />
<strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> dólares. Não <strong>de</strong>ixou<br />
rigorosamente mais nada. Essa fazenda <strong>de</strong> Louveira,<br />
da nossa família, era herança <strong>do</strong> pai <strong>de</strong>le,<br />
que teve nove filhos, e eles a herdaram. Ele tinha<br />
um nome nessa fazenda, mais nada.<br />
— E eu estou assim, há 58 anos baten<strong>do</strong><br />
ponto no jornal. Quan<strong>do</strong> eu morrer, serei mais<br />
rico que ele, pois consegui comprar, na melhor<br />
fase <strong>do</strong> jornal na minha vida, uma fazenda pequena<br />
no Triângulo Mineiro. Eu toquei a fazenda,<br />
plantei seringueiras e ela se sustenta plenamente.<br />
Não tenho mais nada que isso, assim<br />
como nenhum <strong>de</strong> nós: nenhum Mesquita tem<br />
fortuna pessoal.”<br />
O ESTADO DE S.PAULO