Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
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“V<br />
ocê está louco?”<br />
Não era a primeira vez que Victor Civita<br />
ouvia esta pergunta. Des<strong>de</strong> que <strong>de</strong>cidira<br />
vir ao Brasil, talvez fosse a frase que mais<br />
tivesse escuta<strong>do</strong>. Primeiro, da esposa, em<br />
bom e sonoro italiano, ao receber o telegrama pedin<strong>do</strong><br />
que se <strong>de</strong>sfizesse <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os bens da família<br />
nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e viesse encontrá-lo por aqui.<br />
Depois, quan<strong>do</strong> optou por montar sua editora na provinciana<br />
São Paulo <strong>do</strong>s anos 50. E, agora, ao lançar a<br />
revista Quatro Rodas, a primeira publicação nacional<br />
sobre carros, numa época em que a indústria automobilística<br />
somente engatinhava no País.<br />
“Será que ele não sabe que no Brasil existem<br />
apenas 500 quilômetros <strong>de</strong> estradas?”, indagou até<br />
mesmo o Presi<strong>de</strong>nte Juscelino Kubitschek, um <strong>do</strong>s<br />
maiores propulsores <strong>do</strong> automóvel no País, duvidan<strong>do</strong><br />
da viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal publicação.<br />
Civita, no entanto, <strong>de</strong>u <strong>de</strong> ombros mais uma vez<br />
– como ainda faria em tantas outras oportunida<strong>de</strong>s<br />
– para quem <strong>de</strong>le duvidava. Era um visionário<br />
e apostava no futuro. Quatro Rodas acompanhou<br />
o sucesso das estradas e <strong>do</strong>s automóveis, que se<br />
tornariam o principal meio <strong>de</strong> transporte no Brasil.<br />
Foi assim, ignoran<strong>do</strong> inviabilida<strong>de</strong>s e dificulda<strong>de</strong>s,<br />
que ele inovou a imprensa nacional, pôs nas<br />
bancas em pouco mais <strong>de</strong> quatro décadas mais <strong>de</strong><br />
duzentas revistas e construiu,<br />
em um país que lá fora era<br />
trata<strong>do</strong> como “<strong>de</strong> analfabetos”,<br />
o maior grupo editorial<br />
da América Latina: a Abril.<br />
E pensar que tu<strong>do</strong> começou<br />
com um pato, o Donald. Foi<br />
para publicar as histórias em<br />
quadrinhos da Disney que<br />
Victor Civita veio ao Brasil em<br />
1949. Ele já tinha 42 anos e<br />
nenhuma experiência na área,<br />
mas viu uma ótima oportunida<strong>de</strong><br />
no convite feito pelo irmão<br />
César, que tinha os direitos<br />
sobre os personagens para<br />
a América Latina. Victor conhecia<br />
pouca gente e não falava<br />
português, mas em apenas<br />
<strong>de</strong>z meses no Brasil já lançava<br />
o primeiro número <strong>de</strong> O<br />
Pato Donald. As crianças, que<br />
só conheciam Mickey, Tio Patinhas<br />
e companhia pelo cinema,<br />
ficaram encantadas. Passa<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>is anos, veio Capricho –<br />
e ele não parou mais <strong>de</strong> mandar<br />
revistas para as bancas.<br />
“On<strong>de</strong> outros viam crise,<br />
ele via oportunida<strong>de</strong>s. Tanto<br />
que o qualificativo mais usa<strong>do</strong><br />
por seus parceiros, colabora<strong>do</strong>res,<br />
emprega<strong>do</strong>s, amigos<br />
e conheci<strong>do</strong>s é ‘visionário’. Os<br />
vice-campeões são ‘faze<strong>do</strong>r’ e ‘resolve<strong>do</strong>r <strong>de</strong> problemas’.<br />
Foi <strong>de</strong>ssa maneira que se tornou um inova<strong>do</strong>r”,<br />
diz o jornalista Roberto Pompeu <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong>.<br />
Civita <strong>de</strong>cidia rápi<strong>do</strong> – como se fosse salvar<br />
alguém à beira da morte. Pensar <strong>de</strong>mais era proibi<strong>do</strong><br />
se a intuição já lhe recomendava aumentar<br />
ou diminuir o tamanho <strong>de</strong> uma revista, criar um<br />
fascículo ou investir milhões <strong>de</strong> dólares em uma<br />
publicação como Veja, até que a revista “pegasse”.<br />
“Eu sei fazer qualquer coisa. Diga-me algo que<br />
ninguém quer fazer. Eu vou e faço”, repetia o italiano<br />
Civita.<br />
Italiano, ou melhor, milanês, mas nasci<strong>do</strong> em<br />
Nova York. Isso porque o pai, Carlo Civita, estava<br />
apaixona<strong>do</strong> por Vittoria Carpi, que se mu<strong>do</strong>u<br />
FOTOS: ACERVO MEMÓRIA ABRIL<br />
A história da Abril<br />
começa com um<br />
pato que se torna<br />
campeão <strong>de</strong> vendas<br />
e impulsiona os<br />
mais ousa<strong>do</strong>s sonhos<br />
<strong>de</strong> Victor Civita.<br />
Jornal da ABI<br />
com sua família para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Como<br />
tinha certeza <strong>de</strong> que ela era a mulher <strong>de</strong> sua vida,<br />
Carlo foi atrás. César nasceu em 1905. Depois veio<br />
Victor, em 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1907. O último filho,<br />
Artur, nasceria já em Milão, pois a família voltou<br />
à Itália em 1909. Foi nessa cida<strong>de</strong> que se tornou<br />
empresário, com uma fábrica <strong>de</strong> embalagens <strong>de</strong><br />
leite e uma companhia <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> equipamentos<br />
para postos <strong>de</strong> gasolina.<br />
Victor não se distinguiu nos estu<strong>do</strong>s. Não passou<br />
<strong>do</strong> curso secundário no Instituto Técnico <strong>de</strong><br />
Estu<strong>do</strong>s Comerciais. Alistou-se na Força Aérea e<br />
pilotou aviões abertos (no <strong>de</strong>talhe da foto à esquerda),<br />
<strong>do</strong> tipo usa<strong>do</strong> na Primeira Guerra Mundial,<br />
mas não seguiu carreira. Quan<strong>do</strong> completou 20<br />
<strong>Edição</strong> <strong>Especial</strong> <strong>do</strong> <strong>Centenário</strong><br />
Volume<br />
2<br />
Visionário, Civita não se <strong>de</strong>teve com as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
lançar a revista Quatro Rodas num país on<strong>de</strong> a indústria<br />
automobilística ainda era incipiente e foi ao Palácio da<br />
Alvorada levar ao Presi<strong>de</strong>nte Juscelino Kubitschek o<br />
primeiro exemplar da nova publicação.<br />
anos, o pai <strong>de</strong>u-lhe uma passagem para os Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s, um talão <strong>de</strong> cheques com o qual ele po<strong>de</strong>ria<br />
gastar mil dólares e um bilhete com a or<strong>de</strong>m:<br />
“Vire-se”. Nessa viagem, ele <strong>de</strong>scobriria sua vocação<br />
<strong>de</strong> autodidata. Andar por 27 cida<strong>de</strong>s, visitar fábricas,<br />
conhecer negócios, costumes e culturas<br />
durante 11 meses foi para ele como uma universida<strong>de</strong>.<br />
Ao voltar, estava pronto para assumir tarefas<br />
nos negócios <strong>do</strong> pai.<br />
Em 1935 Victor casou-se com Sylvana Alcorso,<br />
filha <strong>de</strong> um rico comerciante <strong>de</strong> Roma. Viveram bem<br />
até o começo <strong>de</strong> 1939, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidiram <strong>de</strong>ixar o<br />
país por conta da insana política racial <strong>do</strong> regime<br />
<strong>de</strong> Mussolini contra os ju<strong>de</strong>us. Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> filho<br />
Roberto, nasci<strong>do</strong> em 1936, escaparam <strong>do</strong> apocalipse<br />
que abateria toda a Europa pouco tempo <strong>de</strong>pois.<br />
VICTOR CIVITA, UM APAIXONADO POR REVISTAS<br />
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