Edição Especial do Centenário - Associação Brasileira de Imprensa
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O GRÁFICO QUE TRANSFORMOU IMAGENS EM MANCHETES<br />
60<br />
“No fun<strong>do</strong>,<br />
ele não gostava<br />
<strong>de</strong> televisão”<br />
Jornalista e membro da Aca<strong>de</strong>mia <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong><br />
Letras, Arnal<strong>do</strong> Niskier trabalhou com A<strong>do</strong>lpho<br />
Bloch durante quase 40 anos. Ele conta:<br />
“Trabalhei com o A<strong>do</strong>lpho Bloch durante 37<br />
anos, com uma breve interrupção no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
1979 a 1983, quan<strong>do</strong> fui secretário <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Educação e Cultura <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Comecei<br />
como repórter esportivo e assistente <strong>de</strong> direção da<br />
Manchete Esportiva, em outubro <strong>de</strong> 1955. Passei a<br />
diretor da revista Sétimo Céu em 1959, criei as<br />
fotonovelas brasileiras, assumi a chefia <strong>de</strong> reportagem<br />
da Manchete em janeiro <strong>de</strong> 1960 e em 1969<br />
passei a ser diretor <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Jornalismo<br />
das empresas Bloch, até outubro <strong>de</strong> 1992, quan<strong>do</strong><br />
me <strong>de</strong>sliguei <strong>do</strong> grupo. Des<strong>de</strong> 1971, era também<br />
diretor da Bloch Educação, cuidan<strong>do</strong> <strong>de</strong> livros, cursos<br />
e seminários. Em <strong>de</strong>z anos, ven<strong>de</strong>mos cerca <strong>de</strong><br />
20 milhões <strong>de</strong> livros didáticos.<br />
A<strong>do</strong>lpho era um gênio intuitivo. Gran<strong>de</strong> realiza<strong>do</strong>r,<br />
extremamente rigoroso, às vezes injusto<br />
com <strong>de</strong>terminadas pessoas. Gabava-se <strong>de</strong> reconhecer<br />
o caráter <strong>do</strong>s jornalistas pela cara <strong>de</strong> cada um<br />
– e em geral não se enganava. Era amigo leal e <strong>de</strong>monstrou<br />
isso com diversos colegas durante o<br />
perío<strong>do</strong> da Revolução,<br />
quan<strong>do</strong> abrigou na casa<br />
alguns <strong>do</strong>s persegui<strong>do</strong>s<br />
políticos. Lembro o amparo<br />
da<strong>do</strong> ao jornalista<br />
Alberto Rajão, <strong>de</strong>pois<br />
da cassação <strong>de</strong> seu mandato<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> estadual.<br />
E foi assim, em<br />
tempo integral, com o<br />
Presi<strong>de</strong>nte JK, <strong>de</strong> quem<br />
se tornou amigo íntimo.<br />
Não fez negócios com<br />
Brasília, tu<strong>do</strong> isso é lenda.<br />
Mas se i<strong>de</strong>ntificou<br />
com JK pela audácia da<br />
obra <strong>de</strong> Brasília – e a coragem <strong>do</strong> político mineiro.<br />
A Manchete apoiou a transferência da capital<br />
e seus números passaram a ven<strong>de</strong>r mais que os da<br />
sua concorrente O Cruzeiro, <strong>de</strong> Assis Chateaubriand,<br />
que era contrária à mudança.<br />
Trabalhávamos na Rua Frei Caneca, on<strong>de</strong> fazia<br />
um calor infernal. A<strong>do</strong>lpho resolveu levar o seu<br />
negócio para a beira da praia, num local lindíssimo<br />
no Russel on<strong>de</strong>, até então, não havia nenhuma<br />
gran<strong>de</strong> empresa. Começou a construção <strong>do</strong><br />
conjunto <strong>de</strong> três prédios, projeto <strong>de</strong> Oscar Niemeyer,<br />
com quem brigava constantemente. Um dia<br />
Bloch me convi<strong>do</strong>u para visitar a obra, num fim<br />
<strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, Planta<strong>do</strong>s à beira da piscina, ainda vazia,<br />
nos fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> prédio principal, ele me mostrou<br />
aquele maravilhoso conjunto. Entusiasma<strong>do</strong>, perguntei<br />
a ele.<br />
– Seu A<strong>do</strong>lpho, o que o sr. vai fazer com tanto<br />
espaço? Tu<strong>do</strong> é muito bonito!<br />
Ele me olhou com uma certa comiseração e respon<strong>de</strong>u:<br />
– Você é engraça<strong>do</strong>! Quer que eu faça o prédio<br />
e ainda saiba o que botar aí <strong>de</strong>ntro!<br />
Uma resposta típica <strong>de</strong> um ser privilegia<strong>do</strong> por<br />
uma inusitada intuição.<br />
A Manchete, como publicação, viveu 48 anos –<br />
<strong>de</strong> 1952 a 2000. Teve um início claudicante. Reza<br />
Jornal da ABI<br />
— A<strong>do</strong>lpho gabava-se <strong>de</strong> conhecer o jornalista pela cara,<br />
lembra o jornalista e acadêmico Arnal<strong>do</strong> Niskier.<br />
a lenda que o A<strong>do</strong>lpho chegou a oferecê-la a Samuel<br />
Wainer, no auge da existência da Última Hora, mas<br />
conheceu os seus dias <strong>de</strong> glória nos anos 60 e 70,<br />
principalmente. Era muito bem paginada, seguin<strong>do</strong><br />
o mo<strong>de</strong>lo da Paris Match, e sob forte influência<br />
<strong>do</strong> jornalista Justino Martins, que tinha um olho<br />
<strong>de</strong> cineasta e editava as fotos com gran<strong>de</strong> maestria.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, acreditou em<br />
Brasília e fez isso com gran<strong>de</strong> motivação. Chegou<br />
a ven<strong>de</strong>r 200 mil exemplares, enquanto O Cruzeiro<br />
passava <strong>do</strong>s 500 mil.<br />
Por meio <strong>de</strong> uma pesquisa, <strong>de</strong>scobrimos que<br />
nossos leitores ambicionavam mais texto. Foi aí<br />
que se <strong>de</strong>u outra gran<strong>de</strong> ocorrência: foi publica<strong>do</strong><br />
nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em 1967, o livro A Morte <strong>de</strong><br />
um Presi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> William Manchester, trazen<strong>do</strong><br />
luzes sobre o assassinato <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
norte-americano. Foram compra<strong>do</strong>s os direitos <strong>do</strong><br />
livro para língua portuguesa e passamos a publicá-lo<br />
em capítulos. Com uma boa publicida<strong>de</strong> a cir-<br />
Volume<br />
2<br />
<strong>Edição</strong> <strong>Especial</strong> <strong>do</strong> <strong>Centenário</strong><br />
FOLHA DIRIGIDA<br />
culação foi crescen<strong>do</strong>, até chegar a 350 mil exemplares,<br />
enquanto a concorrente perdia leitores a<br />
olhos vistos.<br />
Foi o auge da Manchete, até porque, com essa<br />
tiragem, recebia uma forte publicida<strong>de</strong>, que garantiu<br />
à empresa outros vôos em direção à publicação<br />
<strong>de</strong> novas revistas. Veio a compra da Rádio Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> Niterói, que marcou o primeiro passo da empresa<br />
em direção à mídia eletrônica. Em 1983 foi<br />
inaugurada a aventura televisiva, receben<strong>do</strong> canais<br />
abertos <strong>do</strong> Governo fe<strong>de</strong>ral. Foi um mau passo, pois<br />
a cultura <strong>do</strong>s Bloch era toda voltada para o mun<strong>do</strong><br />
gráfico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as suas origens na Ucrânia.<br />
O jornalismo era <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m e algumas<br />
novelas chegaram a fazer sucesso, como foi o caso<br />
<strong>de</strong> Pantanal, mas, no conjunto, não havia como<br />
enfrentar o po<strong>de</strong>rio da Globo. Em 1992, A<strong>do</strong>lpho<br />
tentou ven<strong>de</strong>r as emissoras para Hamilton Lucas<br />
<strong>de</strong> Oliveira, que só <strong>de</strong>u o sinal. Tempos <strong>de</strong>pois,<br />
os Bloch retomam as emissoras. Lembro <strong>de</strong> um<br />
conselho que ouvi ele dar ao Hamilton, em meio<br />
às comemorações <strong>de</strong> venda, ainda com champanhe<br />
rolan<strong>do</strong>.<br />
“Dr. Hamilton, o sr. está fazen<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong><br />
negócio. Se um dia precisar <strong>de</strong> algum conselho<br />
sobre novela <strong>de</strong> televisão, fale comigo. Hoje, eu<br />
enten<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse negócio.”<br />
De fato, foi ele quem sugeriu a realização da<br />
novela Kananga <strong>do</strong> Japão, outro sucesso da emissora.<br />
Carlos Heitor Cony é testemunha disso. Mas<br />
as coisas eram muito mais complicadas. E ele, no<br />
fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> coração, não gostava <strong>de</strong> televisão. Disse<br />
isso várias vezes. Atribuía aos sobrinhos a insistência<br />
para entrar na mídia eletrônica.<br />
O que ficou <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> império jornalístico?<br />
Uma experiência notável para os que participaram<br />
<strong>de</strong>ssa aventura e uma frustração com a <strong>de</strong>cretação<br />
da falência, em 2000. Até hoje cerca <strong>de</strong> 1.800 exfuncionários<br />
vivem a esperança <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>nização<br />
que não receberam e que ninguém sabe se um<br />
dia virá. Os três prédios da Rua <strong>do</strong> Russel pertencem<br />
à massa falida, que lhes atribui o valor <strong>de</strong> R$<br />
60 milhões. Só não aparece quem queira pagar.”<br />
FOLHA IMAGEM<br />
Quan<strong>do</strong> era<br />
mais forte o coro<br />
<strong>do</strong>s adversários<br />
da construção<br />
<strong>de</strong> Brasília,<br />
A<strong>do</strong>lpho Bloch<br />
apostou como<br />
poucos na<br />
edificação da<br />
capital, à qual<br />
<strong>de</strong>dicou edições<br />
especiais <strong>de</strong><br />
Manchete (à<br />
esquerda), que<br />
explodiam em<br />
vendas. Brasília<br />
forneceu-lhe<br />
<strong>do</strong>is amigos que<br />
ele venerava:<br />
Oscar Niemeyer<br />
(à esquerda) e<br />
Juscelino<br />
Kubitschek.