17.04.2013 Views

PDF - Leitura Gulbenkian - Fundação Calouste Gulbenkian

PDF - Leitura Gulbenkian - Fundação Calouste Gulbenkian

PDF - Leitura Gulbenkian - Fundação Calouste Gulbenkian

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

equintados que o olfacto aprenda a distinguir, silenciar o ruído para que<br />

se oiça o marulhar de vozes secretas e distantes, rasgar horizontes largos<br />

para que o gesto não definhe pela tacanhez do espaço, enfim, dar a amar<br />

as coisas amáveis. Dar a amar ainda que o amor só frutifique na atenção e<br />

no cuidado de cada um para com o seu horto.<br />

O traço mais imediatamente perceptível nesta dádiva traduz-se na exigência<br />

de escolhas, com os riscos que lhe são inerentes. Peneirar, seleccionar,<br />

hierarquizar é a tarefa incontornável de quem educa. Poderemos fazê-lo<br />

consciente, deliberada e intencionalmente, convictos da nossa demanda,<br />

ou podemos fazê-lo cega e inconscientemente, arrastados por modas e<br />

ao sabor das circunstâncias, movidos por ambições estéreis, sucessos<br />

efémeros, satisfações fáceis. Educar, porém, é sempre hierarquizar, arriscarmo-nos<br />

num juízo valorativo que impõe diferenças e distinções. Percebe-se<br />

assim facilmente quão activo é o múnus do educador, quão distante<br />

está de uma permissiva passividade, que confunde o que é distinto,<br />

que se abstém de avaliar o que se apresenta com valor diferente. Dar a<br />

ver, dar a amar, constitui celebradamente uma vocação, que não se concilia,<br />

nem com indiferença, nem com esquecimento, nem com demissão.<br />

Professores, escritores, pais, educadores têm a enorme responsabilidade,<br />

não apenas técnico-profissional ou paternal, mas ético-política, ou melhor,<br />

humana, de dar a ver e de dar a amar. Esquecê-lo ou escamoteá-lo é grave<br />

lacuna e irresponsável demissão.<br />

Dar a ver, dar a ouvir, dar a amar. Mas qual o propósito último desta dádiva?<br />

Que finalidade é essa que nos convoca, que norteia o gesto e modela a palavra?<br />

Que fim é esse que pelo desejo que desperta vai orientando a viagem?<br />

O que está em causa é uma primordial ideia acerca do homem, do que lhe<br />

é próprio, do que lhe convém. Sei bem que o estatuto da criança enquanto<br />

criança possui uma dignidade e exige um respeito inquestionáveis, facto<br />

aliás proclamado nos “Direitos da Criança”, mas em última análise está a<br />

grandeza possível do homem que na criança se anuncia, promessa que<br />

poderá ser prematuramente mutilada, ou atentamente cuidada. No sorriso<br />

da criança está a alvorada do sorriso do homem maduro, no gesto infantil<br />

está, embora envolta nas misteriosas vestes do tempo, a semente de um<br />

agir futuro. Como na enigmática pergunta da Esfinge, o que está em causa<br />

é sempre o homem, quem ele é no perfil que para ele desejamos; o que<br />

está em causa é sempre a promessa de nós próprios que mais à frente por<br />

nós espera. Por isso é a educação obra de cultura. Termo de origem latina,<br />

a cultura remete-nos para o verbo colo, colis, colere, colui, cultum, que<br />

significa “habitar”, “estar em”. Se seguirmos o trilho sugerido pela etimolo-<br />

XVI Encontro de Literatura para Crianças<br />

47

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!