PDF - Leitura Gulbenkian - Fundação Calouste Gulbenkian
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XVI Encontro de Literatura para Crianças<br />
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no retorno, permitir que o discurso poético seja por eles contaminado. Veja-<br />
-se, no caso português, os ensaios sobre pintura de João Miguel Fernandes<br />
Jorge que poderão permitir desvendar, obliquamente, linhas de leitura para<br />
a sua poesia.<br />
Tanto na poesia americana como na poesia inglesa, a análise de um texto<br />
poético contemporâno pressupõe, portanto, nos seus momentos maiores,<br />
um olhar atento para as diferentes vanguardas estéticas; o poema revela-<br />
-se, afinal, enquanto espaço de queda de inovações várias que perturbam<br />
a sintaxe, evocam possibilidades de sentido, ou reproduzem estratégias<br />
visuais (perspectiva, cor, tonalidades, polifonias, ritmos...). Para a leitura do<br />
poema não importa apenas reconhecer uma sintaxe ou a articulação com<br />
tradições rítmicas e prosódicas que nos são estranhas (o pentâmetro jâmbico,<br />
por exemplo, não é de fácil percepção a um leitor português). Importa,<br />
também, estar atento à música que se vai fazendo (desde a mais erudita, à<br />
pop, passando pelas fusões várias; recorde-se o exemplo que dei há pouco<br />
de John Ashbery), a uma “qualquer” exposição de pintura, fotografia ou<br />
escultura, ao filme que escapa às convenções de leitura a que nos habituámos;<br />
às artes que emergem, como o já referido video-clip; importa estar<br />
atentos a todos estes aspectos, pois, em qualquer momento, podemos ser<br />
surpreendidos por um poema que exibe subtis diálogos com outras formas<br />
de expressão artística.<br />
A leitura de um poema pressupõe, deste modo, atenção à novidade, disponibilidade<br />
intelectual e capacidade para desvendar essa inovação e para<br />
saber distingui-la da mera reprodução ou do artifício. Ler significa, portanto,<br />
saber distinguir, saber escolher. Poder-se-á considerar que este pressuposto<br />
implica algo que o discurso dominante tem vindo a questionar, cultura e<br />
gosto; no entanto, a modernidade exige a sua recuperação e a sua reformulação,<br />
não de acordo com a caduca dicotomia “Alta Cultura” vs “Cultura<br />
Popular”, mas sim num vasto campo de interpenetrações e consequentes<br />
perturbações estéticas. Qual pesquisa arqueológica, a exploração do texto<br />
passará, assim, por diferentes níveis de leitura; pela superação de sucessivas<br />
camadas até ao contacto com um nível de profundidade. Este é um<br />
aspecto relevante para quem faz do seu quotidiano um constante encontro<br />
com os mais jovens. Estarão eles na posse dos instrumentos que lhes possibilitem<br />
penetrar nesse imenso espaço de diálogos tantas vezes insinuados<br />
apenas? Obviamente que não. Tão pouco estarão muitos daqueles que<br />
com eles trabalham. Tal não significa, porém, que não se possam conceber<br />
estratégias de convocação do texto que lhes permitam tomar consciência<br />
desses níveis vários de leitura. Aponto apenas dois exemplos de disser-