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PDF - Leitura Gulbenkian - Fundação Calouste Gulbenkian

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XVI Encontro de Literatura para Crianças<br />

58<br />

Clássica, as quais, obviamente, não importa aqui desenvolver. Ao falar aos<br />

seus filhos sobre os fuzilamentos de Goya, ao pôr Camões a dirigir-se aos<br />

seus contemporâneos, ao reflectir sobre a nave de Alcobaça, Sena ampliava<br />

as suas reflexões através das possibilidades de enunciação específicas<br />

que determinados subgéneros poéticos clássicos lhe transmitiam.<br />

De igual modo, William Carlos Williams reflecte inviamente sobre a América<br />

do seu tempo através, por exemplo, do quadro de Breughel que ironicamente<br />

retoma a narrativa mítica da queda de Ícaro; através dele, Williams<br />

elabora acerca da actualidade e das virtualidades da moral estoica. Para ler<br />

Williams, um poeta contemporâneo, devemos, portanto, em primeiro lugar,<br />

conhecer as tradições prosódicas face às quais ele pretende inovar poeticamente,<br />

para assim prosseguir a tradição épica whitmaniana; em segundo<br />

lugar, devemos ter noções mínimas acerca da obra de Breughel; em terceiro<br />

lugar, devemos considerar os princípios estóicos; e, em quarto e último<br />

lugar, devemos estar conscientes das narrativas míticas clássicas. Ou seja,<br />

para ler um poeta de hoje devemos forçosamente regressar ao passado<br />

cultural da nossa civilização grego-romana e judaico-cristã.<br />

Além disso, quando falo, por exemplo, de Sena, Williams ou Ted Hughes, estou,<br />

afinal, a falar de clássicos meus contemporâneos, isto é, falo daqueles<br />

cujas identidades se destacam das que os antecederam, e, por isso mesmo,<br />

superaram já a efemeridade e resistirão à erosão do tempo; daqueles<br />

que, de acordo com a expressão de Sena, “especularam emocionalmente<br />

em verso”, e me transmitiram algo que me permite reflectir esteticamente.<br />

Saber distinguir o trigo do joio, percepcionar onde a novidade se insinua,<br />

onde a inovação se distingue da reprodução, é, portanto, o desafio que se<br />

me coloca enquanto investigador e docente de literatura contemporânea.<br />

Mas, porque sou também professor, qual será o testemunho que transmito<br />

aos meus alunos? Creio que este testemunho é, fundamentalmente,<br />

intelectual e ético.<br />

Testemunho intelectual porque a leitura dos textos que me têm acompanhado<br />

ao longo dos anos e daqueles que virei entretanto a descobrir, revelam<br />

uma perturbação face à solenidade dos cânones e uma urbanidade que<br />

obriga à hospitalidade face ao diferente, ao diálogo para além das fronteiras<br />

da “minha aldeia” (como ilustra o exemplo do percurso de Melville para<br />

Sena e Cavafis). Uma urbanidade que permite superar o provincanismo.<br />

Testemunho ético porque ele se afigura enquanto apelo à responsabilidade<br />

pessoal e à liberdade. Recordando o já mencionado poema de Sena, “Não<br />

sei meus filhos que mundo será o vosso,” confesso que não quero que os

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