26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

No artigo publicado na revista Le Minotaure, “O probl<strong>em</strong>a do estilo e a<br />

concepção psiquiátrica das formas paranóicas da experiência”, 248 Lacan <strong>de</strong>staca os<br />

estudos sobre as psicoses que se apoiam no ponto <strong>de</strong> vista fenomenológico, nos quais<br />

a totalida<strong>de</strong> da experiência vivida (Erlebnis) do doente é consi<strong>de</strong>rada, ou <strong>em</strong> outras<br />

palavras, a personalida<strong>de</strong> inteira, e não somente uma reação local individualizada e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Salvador Dali, que havia elaborado sua noção <strong>de</strong> paranóiacrítica,<br />

249 recebe entusiasticamente a publicação da tese <strong>de</strong> Lacan: “É nela que<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os formar para nós, pela primeira vez, uma idéia homogênea e total do<br />

fenômeno paranóico, fora das misérias mecanicistas on<strong>de</strong> se atola a psiquiatria<br />

atual”. 250 Em contraposição à s<strong>em</strong>iologia atomística das teorias psiquiátricas, que<br />

postulam que os sinais observados <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada doença apontam para distúrbios<br />

psíquicos parciais e estes seriam vinculados a lesões localizáveis, a tese propõe pensar<br />

a doença como fenômeno total. J. Lacan, neste contexto, concebe a psicose paranóica<br />

como um modo reacional da personalida<strong>de</strong> a situações vitais que carregam um sentido<br />

<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente humano a ser interpretado, no qual se expressa, na maioria dos casos,<br />

um conflito da consciência moral. Dessa forma, o autor se contrapõe, tanto aos<br />

teóricos da natureza constitucional da paranóia, quanto àqueles que <strong>de</strong>fend<strong>em</strong> a<br />

presença <strong>de</strong> um núcleo da convicção <strong>de</strong>lirante, enquanto fenômeno <strong>de</strong> automatismo<br />

mental, pois “nenhum fenômeno psíquico é puramente automático”.<br />

Distintamente da primeira geração <strong>de</strong> psiquiatras que na França adotou a<br />

psicanálise freudiana a partir <strong>de</strong> reformulações na teoria da hereditarieda<strong>de</strong><strong>de</strong>generescência,<br />

Lacan introduzirá a significação inconsciente no estudo clínico<br />

psiquiátrico, buscando a motivação da paranóia. Por outras palavras, pod<strong>em</strong>os pensar<br />

que se tratava <strong>de</strong> reintroduzir o sujeito que a clínica psiquiátrica havia elidido.<br />

A introdução do sujeito no texto schreberiano é o que opera Freud <strong>em</strong> sua<br />

leitura das M<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> um doente dos nervos, <strong>de</strong> Daniel Paul Schreber – diz Lacan<br />

248 Le Minotaure, nº 1, junho <strong>de</strong> 1933.<br />

249 Salvador Dali <strong>de</strong>finia assim a paranóia-crítica: “Método espontâneo <strong>de</strong> conhecimento irracional<br />

baseado na associação interpretativa-crítica dos fenômenos <strong>de</strong>lirantes” (Catálogo da exposição Dali<br />

Monumental. Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, 1998). Dali reconhece a presença, no fenômeno<br />

paranóico, <strong>de</strong> uma interpretação <strong>de</strong>lirante e das alucinações, mas também consi<strong>de</strong>ra tal fenômeno como<br />

pseudo-alucinatório, na medida <strong>em</strong> que está apoiado num método crítico coerente, provido <strong>de</strong><br />

significação e <strong>de</strong> uma dimensão fenomenológica. Ilustrará suas elaborações através das imagens<br />

duplas, por ex<strong>em</strong>plo na pintura, on<strong>de</strong> a representação <strong>de</strong> um objeto po<strong>de</strong> ser ao mesmo t<strong>em</strong>po a<br />

representação <strong>de</strong> outro objeto. Descolando-se das representações figurativas e realistas, a paranóiacrítica<br />

abre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma leitura criativa operativa para as diferentes formas <strong>de</strong> arte, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que assinala, <strong>em</strong> consonância com Freud, que o <strong>de</strong>lírio já é uma interpretação.<br />

250 Dali apud E. Roudinesco, História da Psicanálise na França, vol. II, p. 128.<br />

104

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!