Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Vincent Kaufmann, no texto “Artaud: loucuras epistolares”, circunscreve, a<br />
partir da correspondência <strong>de</strong> Antonin Artaud com Jacques Rivière, “o espaço literário<br />
como lugar <strong>de</strong> engendramento ou <strong>de</strong> reconstituição do sujeito”. É nesse sentido que<br />
Lacan parece ter situado as M<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> Schreber, ao sublinhar que elas consistiram<br />
numa “longa construção que foi para ele a solução <strong>de</strong> sua aventura interior”. 298<br />
Rivière, então secretário da Nouvelle Revue Française, rechaça alguns po<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />
Artaud por consi<strong>de</strong>rá-los <strong>de</strong> pouco valor estético, mas, ao cabo <strong>de</strong> um certo t<strong>em</strong>po,<br />
propõe publicar a correspondência que entre os dois se estabelece, na qual Artaud<br />
procura justificar seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> publicar textos.<br />
Artaud, que aceitará imediatamente a proposta <strong>de</strong> Rivière como se não<br />
houvesse estado esperando outra coisa, ingressa na literatura por um efeito <strong>de</strong><br />
substituição (cartas por po<strong>em</strong>as), e um efeito <strong>de</strong> compensação: a<br />
correspondência com Rivière v<strong>em</strong> reparar <strong>em</strong> todos os sentidos do termo uma<br />
falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatário e uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão (...). O secretário da NRF<br />
intervém ali on<strong>de</strong> a palavra poética não chega a coagular, ali on<strong>de</strong> falta um<br />
leitor i<strong>de</strong>al, que Artaud é incapaz <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r para lhe <strong>de</strong>stinar uma palavra,<br />
um leitor que ele não consegue imaginar, n<strong>em</strong> <strong>de</strong>sejar, e que con<strong>de</strong>na a sua<br />
‘obra’ a um <strong>de</strong>sgaste perpétuo e centrífugo. 299<br />
O interessante é que Artaud não aceita a proposta <strong>de</strong> Rivière <strong>de</strong> lançar mão do<br />
artifício <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> nomes, trocas <strong>de</strong> datas e lugares, pois ele preten<strong>de</strong> criar um<br />
espaço <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> (e não <strong>de</strong> fantasia) oferecendo ao leitor “o grito da vida”, “a<br />
substância da alma”, <strong>de</strong> maneira a que o leitor pense estar diante <strong>de</strong> uma novela<br />
vivida.<br />
Febrônio, aquele que não assina o seu livro, o que troca <strong>de</strong> nomes por on<strong>de</strong><br />
passa 300 , o que forcluiu o nome-do-pai, <strong>de</strong>ixa, no entanto, sua assinatura no sócius,<br />
nome estampado nos jornais, nos relatórios médicos, nos processos judiciais, na gíria<br />
298 S. Laia no livro Os escritos fora <strong>de</strong> si – Joyce, Lacan e a loucura, propõe “abordar a obra como um<br />
campo <strong>de</strong> gozo <strong>em</strong> que o autor tenta amarrar a trama <strong>de</strong> sua vida”. Diz ele, tomando certa distância da<br />
concepção barthesiana da morte do autor – já que para a psicanálise, além da mortificação produzida<br />
pelo significante, há restos <strong>de</strong> vida que escapam à mortificação, que são os objetos petit a, como campo<br />
<strong>de</strong> gozo –: “Lacan ensina-nos que o autor, e sobretudo Joyce, goza <strong>de</strong> sua obra – há um uso que o autor<br />
faz da própria criação, e um uso que escapa a toda concepção psicológica do autor ou da obra” ( p. 95).<br />
299 V. Kaufmann. “Artaud: locuras epistolares”, La psicosis en el texto, pp. 44-45.<br />
300 Conforme anotações do Processo-Crime <strong>de</strong> Febrônio, recolhidas por Peter Fry, o nome que aparece<br />
registrado numa carta, na qual o irmão <strong>de</strong> Febrônio solicita um novo exame <strong>de</strong> sanida<strong>de</strong> mental para o<br />
mesmo, é Febrônio Ferreira <strong>de</strong> Mattos. F. Índio do Brasil é um dos nomes que ele inventa para si. Nas<br />
cida<strong>de</strong>s por on<strong>de</strong> passou, atuando como falso médico ou <strong>de</strong>ntista, utilizava outro pseudônimo.<br />
124