Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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A propósito <strong>de</strong> “Amar, Verbo Intransitivo”<br />
- Uma carta <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> -<br />
Senhor redator.<br />
Agora que as melhores penas da crítica literária já falaram sobre “Amar, Verbo<br />
Intransitivo”, e todos pelo “Jornal”, peço acolhida para certas explicações pessoais.<br />
Eu s<strong>em</strong>pre pus reparo no perigo que os meus prefácios traziam esclarecendo<br />
por d<strong>em</strong>ais os meus trabalhos. Com o prefácio <strong>de</strong> Paulicéia toda a gente se botou<br />
falando <strong>em</strong> Desvairismo se esquecendo da lição verda<strong>de</strong>ira do prefácio: aquela<br />
advertência <strong>de</strong> que o Desvairismo se acabara com o livro e n<strong>em</strong> eu mesmo continuava<br />
praticando-o. Como <strong>de</strong> fato não pratiquei <strong>em</strong> mais nenhuma das minhas obras.<br />
Porém o que acabou me <strong>de</strong>sgostando mesmo dos prefácios foi o caso do<br />
Losango Cáqui. Escrevi aquela advertência e <strong>em</strong> geral os que falaram do livro se<br />
limitaram a glosar o que eu falara, quando justamente o papel do crítico é também<br />
<strong>de</strong>terminar quanto o artista não fez aquilo que preten<strong>de</strong>u e o quanto ele não é aquilo<br />
que julga ser. Enfim: o melhor papel do crítico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o artista seja digno <strong>de</strong>ste<br />
nome, é repor o pobre do sonhador na consciência <strong>de</strong> si mesmo.<br />
Uma vez <strong>de</strong>sgostado dos prefácios, tirei o que estava apenso a “Amar, Verbo<br />
Intransitivo” e parece que o <strong>de</strong>sastre foi maior.<br />
Não posso me queixar <strong>de</strong> incompreendido não, porém, é certo que fui<br />
transcompreendido, se posso falar assim.<br />
O livro está gordo <strong>de</strong> freudismo, não t<strong>em</strong> dúvida. E é uma lástima os críticos<br />
ter<strong>em</strong> acentuado isso, quando era uma coisa já estigmatizada por mim <strong>de</strong>ntro do<br />
próprio livro. Agora o interessante seria estudar a maneira com que transformei <strong>em</strong><br />
lirismo dramático a máquina fria <strong>de</strong> um racionalismo científico. Esse jogo estético<br />
assume então particular importância na página <strong>em</strong> que “ïnventei” o crescimento <strong>de</strong><br />
Carlos, seguindo passo a passo a doutrina freudiana.<br />
Mas isso ainda não é nada. O que eu <strong>de</strong>veras lastimo é que, pelo menos, <strong>de</strong><br />
igual importância ao freudismo do livro são as doutrinas <strong>de</strong> neo-vitalismo que estão<br />
nele. Pois isso ninguém viu.<br />
Na própria página do crescimento <strong>de</strong> Carlos, inculco visivelmente que ele vai<br />
ser honesto <strong>em</strong> vida por causa das reações fisiológicas.<br />
A honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le é uma secreção biológica. Pentear s<strong>em</strong> espelho na frente<br />
faz o repartido sair torto e isso <strong>de</strong>ixa os cabelos doendo.<br />
Carlos carece <strong>de</strong> espelho e t<strong>em</strong> vergonha <strong>de</strong> se olhar nele, falo eu no meu jogo<br />
<strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> qualquer ação <strong>de</strong>sonesta. Por isso se conserva honesto para<br />
po<strong>de</strong>r olhar no espelho. Honesto por “reação capilar”.<br />
O fenômeno biológico provocando a individualida<strong>de</strong> psicológica <strong>de</strong> Carlos é a<br />
própria essência do livro.<br />
Tanto assim que constato <strong>de</strong>ntro do próprio livro que todo o sucedido para o<br />
menino foi absolutamente inútil e que Carlos seria o que vai ser, suce<strong>de</strong>sse o que<br />
suce<strong>de</strong>sse. Simplesmente “porque é um indivíduo normal que n<strong>em</strong> amigdalas<br />
inchadas não teve <strong>em</strong> piá.”<br />
Porém não me conservei apenas nesse naturalismo que repudio, não. Embora<br />
não tenha acentuado o probl<strong>em</strong>a da permanência extra-biológica das idéias<br />
vi