26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Vida Literária<br />

Dois livros <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Rodrigo M. F. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Diz o Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> que lhe acontece agora se “equilibrar sozinho, às vezes,<br />

sobre os seus pés b<strong>em</strong> calçados; mas que não teve parada por toda a casa dos vinte.”<br />

Tanto assim que, no volume <strong>de</strong> contos que acaba <strong>de</strong> publicar, a virtu<strong>de</strong> lhe parece<br />

estar apenas nas datas, que vêm <strong>de</strong> 1914 a 1923, cada qual revelando um aspecto<br />

diferente e passageiro, dos muitos que já assumiu a sua personalida<strong>de</strong>. Nesse espaço<br />

<strong>de</strong> nove anos, o autor da “A Escrava que não é Isaura” passou por caminhos<br />

complicados, entrou <strong>em</strong> casa <strong>de</strong> muita gente, sofreu a influência <strong>de</strong> meio mundo, até<br />

chegar ao fazendão <strong>em</strong> que se instalou, com ajuda <strong>de</strong> Deus, para amanhar com<br />

vonta<strong>de</strong> a terra encaroçada. O trabalho que teve dali para cá não foi pequenino.<br />

Derrubou matas, fez queimadas, construiu açu<strong>de</strong>s, abriu estradas e, sobretudo, plantou<br />

enquanto Deus <strong>de</strong>u. Não sei quantos mil pés <strong>de</strong> tudo. Agora, principiou a colher,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> alguns anos. A safra <strong>de</strong> 1922 foi a “Paulicéia Desvairada”. Depois, “A Escrava<br />

que não é Isaura”, ou “Losango Cáqui”. No fim do ano passado, o “Primeiro Andar”.<br />

E já <strong>em</strong> 1927 o “Amar, Verbo Intransitivo.”<br />

A esta altura <strong>de</strong> sua vida, a situação do Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> é curiosa.<br />

Desconhecido ou <strong>de</strong>sentendido completamente pelo meio literário oficial, ele é,<br />

entretanto, a figura mais importante da prosa e da poesia brasileiras cont<strong>em</strong>porâneas,<br />

para toda a nova geração nacional. Parece, <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>, que mesmo para aqueles,<br />

<strong>de</strong>ntre os mo<strong>de</strong>rnos, que se acham <strong>em</strong> oposição violenta às suas idéias e às suas<br />

realizações, ele conta hoje <strong>em</strong> dia mais que outro qualquer. Como não contar, aliás, se<br />

a sua influência sobre a literatura atual é a mais po<strong>de</strong>rosa, a mais visível, a mais funda<br />

<strong>de</strong> todas?<br />

Tentando, pela primeira vez, escrever uma língua brasileira, o Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> começou a <strong>de</strong>scida aos cafundós do Judas da imaginação popular, que é <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve sair qualquer literatura que aspire a duração. Já há muitos anos, sentia-se,<br />

entre nós, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> expressão que não fosse a “sintaxe lusíada”<br />

do que fala Manuel Ban<strong>de</strong>ira e que traduzisse com mais honestida<strong>de</strong> o nosso<br />

pensamento confuso do que o idioma dos fra<strong>de</strong>s portugueses quinhentistas. José <strong>de</strong><br />

Alencar brigou com o Viscon<strong>de</strong> Antônio Feliciano <strong>de</strong> Castilho justamente porque<br />

achava <strong>de</strong>saforo que, no Porto, a não sei quantas milhas da costa <strong>em</strong> que bat<strong>em</strong> “os<br />

ver<strong>de</strong>s mares bravios”, um cavalheiro letrado preten<strong>de</strong>sse ensinar como <strong>de</strong>screver<br />

direitinho coisas e sentimentos <strong>de</strong> que não entendia, passadas aqui, nestes Brasis. O<br />

lusitano, afinal, ganhou a partida, impingindo as regras da boa colocação dos<br />

pronomes aos nacionais <strong>de</strong> cor branca, parda ou preta e <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s presumíveis<br />

que, <strong>de</strong> Alencar para cá, se têm dado às letras por aqui. Mas a idéia teimosa <strong>de</strong> criarse<br />

uma língua nacional continuou na cabeça <strong>de</strong> muita gente boa. Um dia, o Sr. João<br />

Ribeiro, com a autorida<strong>de</strong> do mais ilustre gramático do país, do mais erudito e<br />

profundo conhecedor dos clássicos <strong>de</strong> além-mar, resolveu-se a dar o bastião na<br />

bobag<strong>em</strong> do “que se não <strong>de</strong>ve dizer”. Campeão da reforma ortográfica portuguesa na<br />

Acad<strong>em</strong>ia Brasileira e fiscalizador dos costumes literários nacionais por mandato<br />

conferido pela Acad<strong>em</strong>ia <strong>de</strong> Ciências Lisboetas, ele <strong>em</strong>endou a mão s<strong>em</strong> que ninguém<br />

esperasse, e apareceu <strong>de</strong> repente, afirmando com a maior tranqüilida<strong>de</strong> que se dizer<br />

xvii

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!