Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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Um amor que vai justamente contra o <strong>de</strong>ver, pois que perdoa, fecha os olhos<br />
às pequenas infrações do filho, como nesta passag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que Juca iria encontrar-se<br />
com Rose: “Pra po<strong>de</strong>r sair, menti, falei que ia a uma festa <strong>de</strong> amigo, beijei mamãe e<br />
pisquei pra ela, modo <strong>de</strong> contar on<strong>de</strong> é que ia e fazê-la sofrer seu bocado” 168 . Mãe que<br />
nos botões que pregava, no alimento que preparava podia dar ao filho um plus, amor<br />
como d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> nada. Ensina-nos Lacan que a d<strong>em</strong>anda se <strong>de</strong>sdobra <strong>em</strong> duas: como<br />
d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> algo, fundando um Outro completo, Outro do significante, representado<br />
pelo A maiúsculo, s<strong>em</strong> a barra, aquele que po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r o pedido, dar o que falta ao<br />
sujeito como sujeito barrado. Porém, a dimensão do amor propriamente dita implica<br />
que neste Outro haja uma falta, melhor dizendo, implica a castração do Outro, o que<br />
se escreve A (barrado). Isso introduz a d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> amor como d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> nada, esse<br />
plus que é oferecido mais além da resposta ao pedido do sujeito, pois “amar é dar o<br />
que não se t<strong>em</strong>” 169 , dar sua falta para que o sujeito encontre seu lugar como objeto<br />
amado. Deste modo, o sujeito, constituído como barrado, como falta a ser, através do<br />
amor, engendrar-se-ia como ser, ao alojar-se na falta do Outro 170 . Um outro modo <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r esta diferença seria traduzi-la <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e <strong>de</strong>pendência,<br />
dois t<strong>em</strong>as freudianos <strong>em</strong> relação ao apego do sujeito ao Outro. O <strong>de</strong>samparo supõe<br />
um Outro completo que po<strong>de</strong> satisfazer a necessida<strong>de</strong>, um Outro que possui os bens<br />
para dá-los. A <strong>de</strong>pendência do amor diz respeito ao Outro enquanto privado do que<br />
dá, enquanto não t<strong>em</strong>, isto seria propriamente o amor, uma questão referente ao ser e<br />
não ao ter. Essas duas caras do amor pod<strong>em</strong> ser ilustradas na mitologia, pelos pais <strong>de</strong><br />
Eros, Poros e Penia, o rico (aquele que t<strong>em</strong>) e ela, a que não t<strong>em</strong>.<br />
Amor e medo<br />
Quando eu te fujo e me <strong>de</strong>svio cauto<br />
Da luz <strong>de</strong> fogo que te cerca, oh! bela,<br />
Contigo dizes, suspirando amores:<br />
168 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p.103.<br />
169 J. Lacan, “A lógica da castração”, O s<strong>em</strong>inário, livro V, p. 218.<br />
170 Esta t<strong>em</strong>ática po<strong>de</strong> ser articulada à operação <strong>de</strong> separação, uma das operações <strong>de</strong> causação do<br />
sujeito, <strong>de</strong>senvolvida no s<strong>em</strong>inário XI e no escrito “Posição do inconsciente” por Lacan. O sujeito,<br />
como produto da operação <strong>de</strong> alienação, alienação à ca<strong>de</strong>ia significante, ao Outro da linguag<strong>em</strong>, para<br />
liberar-se do efeito <strong>de</strong> afânise provocado pelo significante, situa sua própria falta nos pontos <strong>de</strong> falta do<br />
Outro – os intervalos da ca<strong>de</strong>ia significante. Desse recobrimento <strong>de</strong> duas faltas, a do sujeito e a do<br />
Outro, o sujeito se fabrica um ser, colocando-se como objeto do <strong>de</strong>sejo do Outro. Ver também minha<br />
dissertação <strong>de</strong> mestrado: “Alienação e separação – a dupla causação do sujeito”, Florianópolis, UFSC,<br />
1998.<br />
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