Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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numa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> relações e acontecimentos, e aquilo que se havia tornado um fóssil<br />
po<strong>de</strong> novamente ganhar vida, renascendo para a história.<br />
2. Assombrações<br />
Na crônica “Macobeba”(1929), <strong>Mário</strong> <strong>de</strong>screve, num tom <strong>de</strong> crítica à<br />
quantida<strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> objetos (e sua inutilida<strong>de</strong>) que t<strong>em</strong>os à nossa disposição com a<br />
produção capitalista, um monstro que leva na mão uma vassoura que não serve para<br />
nada: “capitalismo... Nisso resi<strong>de</strong> pra mim a atualida<strong>de</strong> do gran<strong>de</strong> monstro”. Mas o<br />
cronista, numa estratégia <strong>de</strong> leitura aproximada à <strong>de</strong> Benjamin, encontra neste objeto<br />
uma r<strong>em</strong>iniscência das bruxas.<br />
O pesquisador <strong>Mário</strong> recolhia todo material que encontrava quando o assunto<br />
lhe interessava: compunham o seu arquivo pessoal recortes <strong>de</strong> jornal, artigos, fotos e<br />
notas pessoais. As informações arquivadas serviriam posteriormente como fonte <strong>de</strong><br />
pesquisa para seus próprios artigos. O intelectual <strong>de</strong> conhecimento enciclopédico,<br />
or<strong>de</strong>nado na biblioteca, também era o cronista <strong>de</strong> jornal, o estudioso do folclore com<br />
suas quadrinhas e cantigas, o crítico que podia voltar-se para um livro editado numa<br />
tipografia <strong>de</strong> bairro, escrito por um louco. Julgamos que o interesse pelo fragmento<br />
constitui um fio comum que perpassa o escritor que <strong>de</strong>signou a sua literatura como<br />
“literatura <strong>de</strong> circunstância”, o psicanalista da “psicopatologia da vida cotidiana” e o<br />
filósofo que privilegiou o ensaio, o aforismo, o fragmento como forma <strong>de</strong> escrita.<br />
Assim, creio que esta passag<strong>em</strong> do livro Alegorias da dialética, referindo-se à escuta<br />
benjaminiana <strong>de</strong> sua época, po<strong>de</strong> também expressar o modo <strong>de</strong> escuta <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> e<br />
Freud:<br />
Ele escuta (...) os insignificantes ruídos cotidianos, o estalo da lâmpada <strong>de</strong> gás<br />
ao se apagar, o barulho dos carros nas ruas, uma canção infantil. Ele reúne o<br />
seu arquivo das insignificâncias, do que é <strong>de</strong>sprezado na or<strong>de</strong>nação da história<br />
progressiva. 362<br />
Observa-se nos Contos novos que, nas narrativas <strong>em</strong> 1ª pessoa, “um eu conta<br />
as suas r<strong>em</strong>iniscências <strong>em</strong> ambiente familiar”; é o caso <strong>de</strong> “Vestida <strong>de</strong> preto”,<br />
“Fre<strong>de</strong>rico Paciência”, “T<strong>em</strong>po da camisolinha” e “O peru <strong>de</strong> natal”. Na construção<br />
textual, passado e presente se entrelaçam; o adulto que narra convoca a criança e o<br />
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