26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

acontecimento. Po<strong>de</strong>ríamos pensar que o narrador do conto, assim como o<br />

arqueólogo, examina os <strong>de</strong>stroços que sobreviveram, os limpa cuidadosamente e<br />

reconstrói a peça, contando uma história.<br />

A amiza<strong>de</strong> com Fre<strong>de</strong>rico implicou, pelas escolhas que fizeram – um foi<br />

estudar medicina no Rio, o outro ficou <strong>em</strong> São Paulo estudando música e fazendo<br />

versos – no afastamento físico entre eles, mas, diz Juca, “<strong>em</strong> mim <strong>de</strong>spertara o<br />

interesse pelas coisas literárias: fazia literatura <strong>em</strong> cartas” 205 . Talvez o amor entre Juca<br />

e Fre<strong>de</strong>rico tivesse um caráter <strong>de</strong> invenção, <strong>de</strong> sublimação, enquanto criação <strong>de</strong> algo<br />

novo, que não existia antes. O amor para Freud é repetição, o que é propriamente o<br />

drama edípico. Todo objeto <strong>de</strong> amor seria, nesta visão, o substituto <strong>de</strong> um objeto<br />

fundamental, anterior à proibição do incesto. Encontrar o objeto, <strong>de</strong>ste modo, é<br />

s<strong>em</strong>pre reencontrá-lo. Em Lacan o amor po<strong>de</strong> ser invenção, elaboração <strong>de</strong> saber,<br />

como forma <strong>de</strong> dirigir-se ao petit a, através do Outro do significante. É assim que as<br />

palavras <strong>de</strong> amor, as cartas <strong>de</strong> amor, como dimensão própria do significante, entram<br />

<strong>em</strong> jogo no encontro amoroso. O a é o mais singular <strong>de</strong> cada um, e o que nos captura<br />

no Outro, seja um olhar, uma voz, um pequeno sinal, que nos flecha. O amor seria um<br />

esforço <strong>de</strong> dar um nome próprio ao a, conforme Miller: “encontrar o a no olhar <strong>de</strong><br />

uma mulher e po<strong>de</strong>r dar a isso, como fez Dante, um nome próprio e constituir ao redor<br />

uma obra <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>” 206 .<br />

O objeto pequeno a lacaniano, com seu brilho, reverbera <strong>em</strong> diversas<br />

passagens dos contos <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> a que nos referimos. Em “Vestida <strong>de</strong> preto”, t<strong>em</strong>os os<br />

cabelos da prima Maria, on<strong>de</strong> Juca queria enterrar a alma, a própria vida; cabelos que<br />

encontramos também no diário d’ O Turista aprendiz, quando este, num sonho <strong>em</strong> que<br />

conhecia a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itacoatiara, no Amazonas, acompanhado <strong>de</strong> moças lindíssimas,<br />

cortava os cabelos <strong>de</strong>las e “era um mar <strong>de</strong> cabelos, <strong>de</strong>liciosos mas um bocado<br />

quente”. No “T<strong>em</strong>po da camisolinha” eram os próprios cabelos do menino que<br />

carregavam o brilho do petit a: “Meus cabelos eram muito bonitos, dum negro quente,<br />

acastanhado nos reflexos. Caíam pelos meus ombros <strong>em</strong> cachos gordos, com ritmos<br />

pesados <strong>de</strong> molas <strong>de</strong> espiral” 207 . Cabelos cortados por ord<strong>em</strong> do pai, cuja dor da perda<br />

205 V<strong>em</strong>os, neste conto, como <strong>em</strong> outros <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, a superposição das vozes do autor, com<br />

as do narrador e da personag<strong>em</strong>. Como afirma Telê A. Lopez, trata-se da “complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estados <strong>de</strong><br />

alma <strong>de</strong> um narrador, os <strong>de</strong>sdobramentos que o levam a fazer <strong>de</strong> si personag<strong>em</strong>, para melhor externar<br />

os sentimentos que experimenta” (“Dona Olívia multiplicada”, Catálogo da exposição No t<strong>em</strong>po dos<br />

mo<strong>de</strong>rnistas, p. 191).<br />

206 J-A. Miller, op. cit., p. 18.<br />

207 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p.151.<br />

88

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!