Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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A sublimação<br />
O outro mecanismo através do qual se expressa o complexo da dona ausente,<br />
como já referimos, é a sublimação. Mais uma vez o incansável pesquisador dá mostras<br />
dos seus conhecimentos <strong>em</strong> psicanálise, ao diferenciar a sublimação do recalque:<br />
“Este símbolo novo nada recalca. A dona ausente está reconhecida e aceita como tal, e<br />
o marujo procura sublimá-la numa evasão que a suavize e facilite”. 94 Destaca o t<strong>em</strong>a<br />
das “Bandas d’além”, retratado <strong>em</strong> centenas <strong>de</strong> documentos da poética luso-brasileira,<br />
como uma invenção sublimatória. Esclarece que na poesia trovadoresca portuguesa,<br />
anterior às navegações, já ocorria a imag<strong>em</strong> da mulher amada que se encontra do lado<br />
<strong>de</strong> lá <strong>de</strong> um rio, do outro lado. É justamente este o recurso utilizado nestas quadrinhas,<br />
<strong>em</strong> que a imensidão do mar é substituída por um rio que separa os amantes.<br />
Coitadinho <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />
Seu amor além do rio<br />
Quer lhe falar e não po<strong>de</strong><br />
Do coração faz navio. 95<br />
A variante da quadrinha que diz “Coitadinho <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> o seu amor no<br />
ultramar” esclarece a sublimação ocorrida. Segundo <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, o além do rio<br />
seria uma transposição do seqüestro, e não simplesmente um símbolo das dificulda<strong>de</strong>s<br />
da realização do amor. Destaca, também, o ciclo <strong>de</strong> cantos que falam <strong>de</strong> o amante<br />
atravessar o rio ou o mar a nado, como esta, recolhida <strong>em</strong> Goiás:<br />
Travessei o rio a nado,<br />
Eu saí foi <strong>de</strong> mergulho:<br />
Somente para te ver,<br />
Beiço <strong>de</strong> cajú maduro.<br />
Outro modo sublimatório <strong>de</strong> aparecimento da dona ausente seria <strong>de</strong> orig<strong>em</strong><br />
onírica. Nele, a imag<strong>em</strong> da mulher surge no meio do mar, vindo <strong>em</strong> direção ao<br />
marinheiro. Há também a mirag<strong>em</strong> da mulher vinda <strong>de</strong> barca, como aparece nas<br />
cantigas <strong>de</strong> roda. Nestas últimas, quando se enlaça à noção <strong>de</strong> impedimento, o r<strong>em</strong>o<br />
cai ou quebra e a canoa vira, <strong>de</strong> modo que a amada não po<strong>de</strong> chegar até ao amante. Na<br />
94 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, A dona ausente, p. 12.<br />
95 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />
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