Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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outros. Referindo-se à “Al<strong>em</strong>anha particular <strong>de</strong> Schreber”, dirá que a crise <strong>de</strong><br />
Schreber repercute as crises sociais e culturais <strong>de</strong> sua época, assim como Morton<br />
Schatzman, outro teórico citado, encontra uma relação entre “o <strong>de</strong>spotismo<br />
microssocial da família <strong>de</strong> Schreber e o <strong>de</strong>spotismo macrossocial da Al<strong>em</strong>anha<br />
nazista”. Nesse sentido, as M<strong>em</strong>órias <strong>de</strong> Schreber seriam o retorno <strong>de</strong> um saber<br />
recalcado que apontaria para o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição interna das elites <strong>em</strong> crise.<br />
Pod<strong>em</strong>os compartilhar da idéia <strong>de</strong> que há algo <strong>de</strong> paranóico nos sist<strong>em</strong>as totalitários,<br />
ou <strong>de</strong> que sujeitos paranóicos <strong>em</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> governar pod<strong>em</strong> encontrar profundas<br />
afinida<strong>de</strong>s com estilos ditatoriais. Concordamos também com a idéia <strong>de</strong> que os<br />
sujeitos se apropriam dos significantes e modos <strong>de</strong> gozo presentes na socieda<strong>de</strong> e<br />
cultura <strong>de</strong> sua época, inclusive para expressar<strong>em</strong> seus conflitos e <strong>de</strong>lírios. As<br />
histéricas cont<strong>em</strong>porâneas, por ex<strong>em</strong>plo, já não são as mesmas encontradas por Freud<br />
e Charcot na Salpêtrière, os sintomas são veiculados através <strong>de</strong> novas matérias<br />
significantes, <strong>de</strong> modo que já não é tão comum encontrá-las <strong>de</strong>smaiando e tendo<br />
ataques conversivos. Porém, v<strong>em</strong>os com cautela o uso <strong>de</strong> categorias próprias do<br />
discurso clínico para interpretar acontecimentos sociais e políticos, assim como não<br />
acreditamos numa relação <strong>de</strong> causa e efeito entre crises sociais e crises individuais, ou<br />
que o sujeito seria uma espécie <strong>de</strong> reflexo do que acontece no seu entorno social,<br />
reproduzindo as suas crises. Parece-nos que o equívoco <strong>de</strong> Santner, que toma o<br />
trabalho do psicanalista norte-americano William Nie<strong>de</strong>rland como uma <strong>de</strong> suas<br />
referências, seria o <strong>de</strong> buscar uma verda<strong>de</strong> referencial nas produções paranói<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Schreber. Assim, revitaliza a teoria do trauma, abandonada pelo próprio Freud, que<br />
numa <strong>de</strong> suas cartas a Fliess dizia já não acreditar mais nas suas histéricas. No<br />
entanto, o título <strong>de</strong> um dos capítulos do livro – “O pai que sabia d<strong>em</strong>ais”, nos sugere<br />
uma articulação com a teoria psicanalítica bastante interessante. Com este título,<br />
Santner alu<strong>de</strong> a uma instância paterna obscena, o pai <strong>em</strong> excesso – expressão com que<br />
se refere ao pai <strong>de</strong> Schreber e ao seu saber pedagógico-ortopédico que opera sobre o<br />
filho. Este pai se parece com o pai da horda primordial, <strong>de</strong>scrito por Freud <strong>em</strong> Tot<strong>em</strong><br />
e tabu, um pai que não transmite a lei, mas que é a própria lei, um pai obsceno e feroz.<br />
Este gran<strong>de</strong> Outro absoluto que se iguala à lei é o pai <strong>em</strong> excesso, o que sabe d<strong>em</strong>ais,<br />
cuja presença massacrante impe<strong>de</strong> o surgimento da dimensão subjetiva, <strong>de</strong> qualquer<br />
esboço <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, po<strong>de</strong>ndo oferecer a oportunida<strong>de</strong> para o surgimento <strong>de</strong> uma psicose.<br />
258 C. Soler. “El sujeto psicótico en el psicoanálisis”, Estudios sobre las psicosis, p. 51.<br />
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