Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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- “Meu Deus! que gelo! que frieza aquela!”<br />
Como te enganas! meu amor é chama<br />
Que se alimenta no voraz segredo,<br />
E si te fujo é que te adoro louco...<br />
És bela – eu moço; tens amor – eu medo!...<br />
Tenho medo <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong> ti, <strong>de</strong> tudo,<br />
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,<br />
Das folhas secas, do chorar das fontes,<br />
Das horas longas a correr velozes.<br />
O título do ensaio <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> “Amor e medo” 171 alu<strong>de</strong> a este po<strong>em</strong>a<br />
<strong>de</strong> Casimiro <strong>de</strong> Abreu, <strong>de</strong> mesmo nome, cujas primeiras estrofes são citadas pelo<br />
autor do ensaio. Nele, <strong>Mário</strong> trata do medo do amor nos poetas românticos brasileiros,<br />
especialmente no sentido do amor como realização sexual 172 . Destaca o amor dos<br />
nossos românticos pela mãe e pelas irmãs, as mulheres proibidas para o sexo, e por<br />
isso i<strong>de</strong>alizadas. Nenhum <strong>de</strong>les parece ter expressado com maior intensida<strong>de</strong> o<br />
“prestígio romântico da mulher” como criação sublime, divina e intangível como<br />
Álvares <strong>de</strong> Azevedo, segundo o autor. A prostituta aparece, conseqüent<strong>em</strong>ente, como<br />
contraste relativamente àquela, como mulher <strong>de</strong>sprezível. O amor fraterno pela irmã<br />
Maria Luiza é registrado “com intensa objetivida<strong>de</strong>, com admirável violência” nos<br />
versos a ela <strong>de</strong>dicados e nas cartas, contrastando com o pouco tratamento dado aos<br />
amores sexuais. Nas palavras <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Álvares <strong>de</strong> Azevedo seqüestrou<br />
o seu medo <strong>de</strong> amor. E disso v<strong>em</strong> o t<strong>em</strong>a do amor e medo se manifestar nele<br />
numerosíssimas vezes, mas s<strong>em</strong>pre camuflado, inconsciente” 173 . Como pod<strong>em</strong>os ver,<br />
este ensaio vincula-se às pesquisas do autor sobre o t<strong>em</strong>a do seqüestro da dona<br />
171<br />
O referido ensaio saiu publicado inicialmente na Revista Nova, <strong>em</strong> 1931, num número<br />
especialmente <strong>de</strong>dicado a Álvares <strong>de</strong> Azevedo, com<strong>em</strong>orando o centenário do poeta. Posteriormente é<br />
publicado no livro Aspectos da literatura brasileira, <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, sendo a edição original <strong>de</strong><br />
1943, pela Americ-Edit, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Des<strong>de</strong> os anos 20, <strong>Mário</strong> vinha reunindo material para um livro<br />
sobre o romantismo brasileiro. “Psicologia do romantismo brasileiro” seria uma das partes do livro, na<br />
qual o escritor, <strong>em</strong> seus manuscritos, se <strong>de</strong>bruça sobre a noção <strong>de</strong> seqüestro, recorrendo ao mestre da<br />
psicanálise para pensar sobre o “amor e medo”. (Cf. R. <strong>de</strong> Carvalho, Edição genética <strong>de</strong> “O seqüestro<br />
da dona ausente” <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, p. 217).<br />
172 Nas suas notas <strong>de</strong> estudo sobre o t<strong>em</strong>a do seqüestro, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> registra, com base na<br />
psicologia, que consi<strong>de</strong>ra a insatisfação sexual como propulsora <strong>de</strong> lirismo: “A ‘<strong>de</strong>sgraça’ tão freqüente<br />
nos poetas jovens não é afinal das contas nenhuma hipocrisia n<strong>em</strong> propriamente uma moda romântica.<br />
É antes um <strong>de</strong>rivativo ao ‘mal do amor’ cada vez menos inexistente <strong>de</strong>vido à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> costumes<br />
cada vez maior. Mas enquanto esta não for absoluta, se é que chegue a isso, o mal <strong>de</strong> amor, a<br />
insatisfação sexual há <strong>de</strong> mesmo permanecer como fonte <strong>de</strong> lirismo e <strong>de</strong> seqüestro” (cf. R. <strong>de</strong> S.<br />
Carvalho, op. cit., p. 52) Em contraposição ao “mal <strong>de</strong> amor” dos românticos, t<strong>em</strong>os na personag<strong>em</strong><br />
Mad<strong>em</strong>oiselle o “mal do sexo”; talvez pudéss<strong>em</strong>os pensar <strong>em</strong> sublimação pela poesia, no primeiro<br />
caso, e produção <strong>de</strong> sintomas no segundo, como vicissitu<strong>de</strong>s diferentes da pulsão.<br />
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