26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sentimentos que animam as suas fantasias não seriam diferentes daqueles que<br />

motivam a expressão simbólica dos gran<strong>de</strong>s artistas – “sentimento da natureza,<br />

sentimento idílico e utópico da humanida<strong>de</strong>, sentimento <strong>de</strong> reivindicação antisocial”.<br />

279 No que tange à expressão simbólica, Lacan faz uma analogia entre os t<strong>em</strong>as<br />

<strong>de</strong>lirantes e as criações míticas do folclore. Enfatizando o caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente<br />

humano, significativo, da experiência vivida paranóica, Lacan chega a concebê-la<br />

como uma “sintaxe original”, <strong>de</strong>correndo daí, por ex<strong>em</strong>plo, o fascínio que o estilo e a<br />

pessoa <strong>de</strong> Rousseau exerceram no seu século. No caso das produções literárias <strong>de</strong> sua<br />

paciente Aimée, Lacan encontrou nelas, lado a lado com “<strong>de</strong>clamações banais,<br />

leituras mal compreendidas, confusão nas idéias e nos termos”, frutos <strong>de</strong> uma<br />

“intoxicação literária”, algumas imagens <strong>de</strong> “valor poético inegável”, “vivacida<strong>de</strong> do<br />

estilo”, a presença “<strong>de</strong> uma real cultura telúrica”. O valor literário das produções<br />

artísticas <strong>de</strong> Aimée impressionou escritores como Crevel, Joe Bousquet e Paul<br />

Élouard, segundo Lacan. 280<br />

Ao reportar-se à questão do escrito na psicose, no s<strong>em</strong>inário III, Lacan observa<br />

que<br />

as produções discursivas que caracterizam o registro das paranóias se<br />

<strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> com toda a força aliás, a maior parte do t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> produções<br />

literárias, no sentido <strong>em</strong> que literárias quer dizer simplesmente folhas <strong>de</strong> papel<br />

cobertas com escrita. 281<br />

279 J. Lacan, “O probl<strong>em</strong>a do estilo e a concepção psiquiátrica das formas paranóicas da Experiência”,<br />

Da psicose paranóica <strong>em</strong> suas relações com a personalida<strong>de</strong>, 1987, p.376.<br />

280 Id<strong>em</strong>, “Formulações sobre a causalida<strong>de</strong> psíquica”, Escritos, p. 169. Bousquet teceu seus<br />

comentários no nº 1 da Revue: 14, rue du Dragon (Ed. Cahiers d’Art) e Éluard, no opúsculo editado<br />

por Seghers Poésie 42, intitulado Poésie involontaire et poésie intentionnelle. A questão do valor<br />

artístico v<strong>em</strong> provocando discussões <strong>de</strong> longa data, acautelando-nos contra <strong>de</strong>finições fechadas sobre<br />

tal. Foi com a Crítica da faculda<strong>de</strong> do juízo <strong>de</strong> Kant que se passou da tese da objetivida<strong>de</strong> do Belo,<br />

concepção clássica, à tese <strong>de</strong> que o julgamento do gosto não pertence ao campo da lógica e do<br />

conhecimento, tratando-se antes <strong>de</strong> um julgamento estético, e sendo portanto subjetivo. O que se<br />

exprime é um sentimento <strong>de</strong> prazer. A tese da subjetivida<strong>de</strong> do Belo, idéia romântica, abre caminho<br />

para pensar um relativismo do gosto, concepção que nasce com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Com relação à questão,<br />

mais específica, do valor <strong>em</strong> literatura, Leyla Perrone-Moisés, no livro Altas literaturas: escolha e<br />

valor na obra crítica <strong>de</strong> escritores mo<strong>de</strong>rnos, afirma que no <strong>de</strong>correr do século XX se foi tornando<br />

cada vez mais difícil contar com a referência <strong>de</strong> valores estáveis, produzindo-se uma espécie <strong>de</strong> malestar<br />

com relação ao projeto <strong>de</strong> um krinein (julgar). Relaciona a crise atual da crítica literária, cujo<br />

início situa <strong>em</strong> fins do século passado, com uma crise mais geral <strong>de</strong> valores e conceitos que<br />

sustentavam a instituição literária: o sujeito, a representação, a razão, o humanismo. Antoine<br />

Compagnon, <strong>em</strong> O d<strong>em</strong>ônio da teoria, d<strong>em</strong>anda aos críticos que explicit<strong>em</strong> os seus critérios,<br />

justifiqu<strong>em</strong> as suas escolhas aos leitores, reconhecendo os limites da teoria no tocante à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma fundamentação teórica racional do valor literário. Se, por um lado, consensos s<strong>em</strong>pre<br />

provisórios quanto ao valor das obras são possíveis, por outro lado há que se admitir o caráter subjetivo<br />

das avaliações estéticas e, conseqüent<strong>em</strong>ente, o relativismo do julgamento do gosto, já que as obras não<br />

possu<strong>em</strong> um valor intrínseco, a priori e universal.<br />

281 J. Lacan, op. cit., 1985, p. 93.<br />

118

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!