Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
lembrava a gruta da Igreja católica de St. Paul, no lago, m<strong>as</strong> em vez de leir<strong>as</strong> organizad<strong>as</strong> de<br />
vel<strong>as</strong> votiv<strong>as</strong>, tod<strong>as</strong> iguais em tamanho e importância como <strong>as</strong> alm<strong>as</strong> que conduziam, <strong>as</strong><br />
menin<strong>as</strong> tinham projetado uma fant<strong>as</strong>magoria de faróis. Fundiram a cera d<strong>as</strong> vel<strong>as</strong> da sala de<br />
jantar em uma única peça de parana, dotada de seu próprio pavio. Criaram dez toch<strong>as</strong> a<br />
partir de uma “vela artesanal” psicodélica comprada por Cecilia em uma feirinha de rua.<br />
Acenderam <strong>as</strong> seis vel<strong>as</strong> bojud<strong>as</strong> de emergência que o sr. Lisbon guardava no armário do<br />
andar de cima para usar em c<strong>as</strong>o de queda de energia. Atearam fogo em três batons de Mary,<br />
que queimavam surpreendentemente bem. No peitoril da janela, em xícar<strong>as</strong> pendurad<strong>as</strong> em<br />
cabides, em velhos v<strong>as</strong>os de plant<strong>as</strong>, em caix<strong>as</strong> de leite cortad<strong>as</strong> ao meio, <strong>as</strong> vel<strong>as</strong> queimavam.<br />
À noite, víamos Bonnie cuidando d<strong>as</strong> cham<strong>as</strong>. Às vezes, ao encontrar vel<strong>as</strong> se afogando na<br />
própria cera, ela escavava trincheir<strong>as</strong> com tesour<strong>as</strong>; m<strong>as</strong> na maior parte do tempo cava<br />
observando <strong>as</strong> vel<strong>as</strong>, como se o resultado nal disso fosse um recado para ela, <strong>as</strong> cham<strong>as</strong><br />
qu<strong>as</strong>e se apagando, m<strong>as</strong> persistindo, ávid<strong>as</strong> por oxigênio.<br />
Além de rogar a Deus, <strong>as</strong> vel<strong>as</strong> rogavam também a nós. A lanterna chinesa enviava seu<br />
s.o.s. intraduzível. A luz do quarto nos mostrava o estado deplorável da c<strong>as</strong>a dos Lisbon e<br />
também Billy Jack, que tinha vingado o estupro da namorada usando técnic<strong>as</strong> renegad<strong>as</strong> de<br />
caratê. Os sinais d<strong>as</strong> menin<strong>as</strong> chegavam até nós e a mais ninguém, como uma estação de<br />
rádio sintonizada apen<strong>as</strong> pelos nossos aparelhos ortodônticos. À noite, imagens residuais<br />
piscavam por trás de noss<strong>as</strong> pálpebr<strong>as</strong> ou pairavam sobre noss<strong>as</strong> cam<strong>as</strong> como um enxame de<br />
vaga-lumes. Nossa incapacidade de fornecer qualquer resposta tornou os sinais ainda mais<br />
importantes. Assistíamos tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> noites ao espetáculo, sempre à beira de descobrir a chave, e<br />
Joe Larson tentou até piscar <strong>as</strong> luzes do próprio quarto em resposta, m<strong>as</strong> isso fez a c<strong>as</strong>a dos<br />
Lisbon ficar totalmente às escur<strong>as</strong>, e nos sentimos repreendidos.<br />
A primeira carta chegou no dia 7 de maio. Inserida na caixa de correio de Ch<strong>as</strong>e Buell com<br />
o resto da correspondência, não tinha selo nem endereço de remetente, m<strong>as</strong> quando a<br />
abrimos reconhecemos de imediato a hidrográfica roxa com a qual Lux gostava de escrever.<br />
Caro qualquer um,<br />
Diz pro Trip que eu o superei.<br />
Ele é podre.<br />
Adivinha Quem<br />
E isso era tudo. Outr<strong>as</strong> cart<strong>as</strong> chegaram n<strong>as</strong> seman<strong>as</strong> seguintes, expressando diversos<br />
estados de espírito, cada envelope entregue em noss<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> na calada da noite pel<strong>as</strong> própri<strong>as</strong><br />
menin<strong>as</strong>. Ficávamos ouriçados ao imaginá-l<strong>as</strong> escapando de c<strong>as</strong>a e andando pela rua, e houve<br />
noites em que tentamos car acordados por tempo suciente para vê-l<strong>as</strong>. Sempre<br />
acordávamos de manhã percebendo que tínhamos caído no sono durante a vigia. Na caixa de<br />
correio, como uma moeda deixada sob nossos travesseiros pela Fada dos Dentes, uma carta