28.10.2014 Views

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Misturados a essa nova abordagem, vieram os panetos verdes e <strong>as</strong> sessões de terapia familiar,<br />

em que <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> precisavam se levantar e descrever seus pesadelos. Willie Kuntz, levado a<br />

uma dess<strong>as</strong> sessões pela mãe, contou: “Eles não iam me deixar sair antes que eu chor<strong>as</strong>se e<br />

dissesse pra minha mãe que amava ela. Aí eu z isso. M<strong>as</strong> a parte de chorar eu ngi. É só<br />

esfregar os olhos até doer. Dá mais ou menos certo”.<br />

Em meio ao escrutínio crescente, <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> conseguiram manter a discrição na escola.<br />

Divers<strong>as</strong> de su<strong>as</strong> aparições na época convergiram numa imagem genérica do grupo<br />

avançando unido pelo corredor central. P<strong>as</strong>savam por baixo do imenso relógio da escola, e o<br />

dedo negro do ponteiro dos minutos apontava para su<strong>as</strong> cabeç<strong>as</strong> maci<strong>as</strong>. Sempre imaginamos<br />

que o relógio acabaria caindo, m<strong>as</strong> isso nunca aconteceu, e logo <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> deixavam o<br />

perigo para trás, com su<strong>as</strong> sai<strong>as</strong> transparentes por causa da luz que vinha da outra<br />

extremidade do corredor, revelando os ossos da sorte de su<strong>as</strong> pern<strong>as</strong>. M<strong>as</strong> quando <strong>as</strong><br />

seguíamos, <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> desapareciam, e espiando dentro d<strong>as</strong> sal<strong>as</strong> de aula n<strong>as</strong> quais poderiam<br />

ter entrado, víamos inúmeros rostos que não pertenciam a el<strong>as</strong>, ou perdíamos seu r<strong>as</strong>tro e<br />

acabávamos no setor de Educação Infantil, em meio a uma espiral sem sentido de pintur<strong>as</strong> a<br />

dedo. O cheiro de têmpera de ovo ainda nos faz lembrar daquel<strong>as</strong> perseguições infrutífer<strong>as</strong>.<br />

Os corredores, limpos à noite por zeladores solitários, eram silenciosos, e éramos capazes de<br />

seguir por uns quinze metros uma echa desenhada a lápis na parede por algum garotinho,<br />

repetindo para nós mesmos que aquela seria a vez em que falaríamos com <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> Lisbon<br />

e perguntaríamos o que <strong>as</strong> atormentava. Às vezes enxergávamos mei<strong>as</strong> comprid<strong>as</strong> dobrando<br />

uma esquina ou esbarrávamos em alguma del<strong>as</strong> quando estava recurvada, enando livros em<br />

um escaninho e af<strong>as</strong>tando o cabelo dos olhos. M<strong>as</strong> era sempre a mesma coisa: seus rostos<br />

brancos p<strong>as</strong>sando por nós em câmera lenta enquanto ngíamos que não tínhamos estado à<br />

procura del<strong>as</strong>, que nem sabíamos que el<strong>as</strong> existiam.<br />

Temos alguns documentos da época (Peç<strong>as</strong> de n os 13 a 15): os relatórios de química de<br />

Therese, o trabalho de história de Bonnie sobre Simone Weil, <strong>as</strong> frequentes dispens<strong>as</strong> da<br />

educação física falsicad<strong>as</strong> por Lux. Ela sempre usava o mesmo método: copiava os tês e bês<br />

rígidos da <strong>as</strong>sinatura da mãe e em seguida, para destacar sua própria caligraa, <strong>as</strong>sinava logo<br />

abaixo o nome Lux Lisbon com um par de eles suplicantes, um se estendendo na direção do<br />

outro sobre a vala do u e do xis de arame farpado. Julie Winthrop também costumava faltar à<br />

educação física e p<strong>as</strong>sou muit<strong>as</strong> aul<strong>as</strong> com Lux no vestiário d<strong>as</strong> menin<strong>as</strong>. “A gente subia nos<br />

armários para fumar”, contou. “Não dava pra ver a gente lá de baixo, e se algum professor<br />

aparecia, não tinha como saber de onde vinha a fumaça. Geralmente achavam que a pessoa<br />

que tinha fumado já tinha ido embora.” Segundo Julie Winthrop, ela e Lux eram apen<strong>as</strong><br />

“coleg<strong>as</strong> de cigarro” e não conversavam muito em cima dos armários, ocupad<strong>as</strong> demais em<br />

tragar ou escutar o barulho de p<strong>as</strong>sos. M<strong>as</strong> comentou que Lux era de uma dureza afetada,<br />

que podia ser uma reação ao sofrimento. “Vivia dizendo ‘foda-se essa escola’ ou ‘não vejo a<br />

hora de sair daqui’. M<strong>as</strong> muita gente fazia isso.” Certa vez, porém, depois que acabaram de

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!