28.10.2014 Views

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

mencionar o <strong>as</strong>sunto, el aos votos de delidade às quatrocent<strong>as</strong> e dezoito menin<strong>as</strong> e<br />

mulheres com quem transou no decorrer de sua longa carreira. Disse apen<strong>as</strong>: “Nunca superei<br />

aquela menina, cara. Nunca”. No deserto, tremendo de abstinência, estava com bols<strong>as</strong><br />

amarelad<strong>as</strong> de aparência doentia sob os olhos, m<strong>as</strong> seu olhar estava claramente voltado para<br />

tempos melhores. Aos poucos, com nossa persu<strong>as</strong>ão incessante e em grande parte graç<strong>as</strong> à<br />

necessidade de tagarelar que domina todo dependente químico em recuperação,<br />

conseguimos juntar os retalhos que contavam a história daquele amor.<br />

Começou no dia em que Trip Fontaine entrou na sala errada de história. Durante o<br />

intervalo para estudos do quinto período, Trip Fontaine foi até o carro, como de costume,<br />

para fumar a maconha que consumia de forma tão regular como Peter Petrovich, diabético,<br />

tomava insulina. Petrovich comparecia três vezes por dia à enfermaria para tomar <strong>as</strong> injeções,<br />

sempre aplicando ele mesmo a agulha hipodérmica como um junkie que não resiste ao vício,<br />

ainda que depois de se picar toc<strong>as</strong>se piano no auditório com um renamento espantoso,<br />

como se a insulina fosse o elixir da genialidade. Trip Fontaine ia até o carro três vezes por dia,<br />

às dez e quinze, ao meio-dia e quinze e às três e quinze e, como Petrovich, usava um relógio<br />

de pulso que apitava na hora de cada dose. Sempre deixava seu Trans Am na parte mais<br />

distante do estacionamento, de frente para a escola, para que conseguisse avistar a<br />

aproximação oc<strong>as</strong>ional de algum professor. O capô inclinado, o teto reluzente e a tr<strong>as</strong>eira<br />

curva tornavam o carro parecido com um escaravelho aerodinâmico. Ainda que os sinais do<br />

tempo estivessem começando a estragar o acabamento dourado, Trip tinha renovado a<br />

pintura dos frisos esportivos laterais e lustrado <strong>as</strong> calot<strong>as</strong> pontiagud<strong>as</strong> que se pareciam com<br />

arm<strong>as</strong>. No interior do carro, os <strong>as</strong>sentos reclináveis de couro guardavam marc<strong>as</strong><br />

idiossincrátic<strong>as</strong> de transpiração — dava para ver onde o sr. Fontaine tinha descansado a<br />

cabeça durante engarrafamentos e onde a química do spray de cabelo tinha transformado o<br />

marrom do couro em um tom claro de roxo. O aroma sutil do puricador de ar Boots and<br />

Saddle ainda se fazia sentir, mesmo que àquela altura o carro estivesse mais permeado pelo<br />

cheiro do almíscar e da maconha de Trip. As port<strong>as</strong> de carro de corrida se fechavam<br />

hermeticamente, e Trip costumava dizer que dentro daquele carro dava para car mais<br />

chapado do que em qualquer outro lugar, porque era só car respirando a fumaça que estava<br />

presa. Em qualquer intervalo para lanche, almoço e estudo, Trip Fontaine saracoteava até o<br />

carro e submergia naquela sauna. Quinze minutos depois, quando ele abria a porta, a fumaça<br />

escapava como se estivesse saindo por uma chaminé, dispersando-se em anéis ao som da<br />

música — em geral, Pink Floyd ou Yes — que Trip continuava escutando enquanto conferia<br />

o motor e lustrava o teto (os supostos motivos d<strong>as</strong> visit<strong>as</strong> ao estacionamento). Depois de<br />

trancar o carro, Trip caminhava pelos fundos da escola para arejar <strong>as</strong> roup<strong>as</strong>. Escondia uma<br />

caixinha de bal<strong>as</strong> de menta dentro do nó no tronco de uma árvore (plantada em memória de<br />

Samuel O. H<strong>as</strong>tings, formando da turma de 1918). D<strong>as</strong> janel<strong>as</strong> d<strong>as</strong> sal<strong>as</strong> de aula, <strong>as</strong> garot<strong>as</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!