28.10.2014 Views

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

as_virgens_suicidas__jeffrey_eugenides

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

conseguimos senti-lo. O cheiro nos encontrou em noss<strong>as</strong> cam<strong>as</strong>, e na pracinha enquanto<br />

brincávamos de queimada; desceu <strong>as</strong> escad<strong>as</strong> da c<strong>as</strong>a dos Karalis, de modo que a velha sra.<br />

Karalis sonhou que tinha voltado a Bursa e estava cozinhando folh<strong>as</strong> de parreira. Chegou até<br />

nós, sobrepujando mesmo o fedor de charuto do avô do Joe Barton enquanto ele nos<br />

mostrava o álbum de fotogra<strong>as</strong> de sua época na Marinha, explicando que <strong>as</strong> mulheres<br />

voluptuos<strong>as</strong> com pouca roupa eram apen<strong>as</strong> su<strong>as</strong> prim<strong>as</strong>. O estranho é que, ainda que o cheiro<br />

fosse opressor, nunca cogitamos prender a respiração, ou, como último recurso, respirar pela<br />

boca, e depois dos primeiros di<strong>as</strong> p<strong>as</strong>samos a sugar o aroma como se fosse leite materno.<br />

Meses mortiços e dormentes se seguiram: janeiro preso no gelo; fevereiro implacável;<br />

março sujo e lamacento. Naquela época ainda tínhamos invernos, nev<strong>as</strong>c<strong>as</strong> vigoros<strong>as</strong>, di<strong>as</strong> de<br />

aula cancelados. Presos em c<strong>as</strong>a durante manhãs de neve, ouvindo no rádio os nomes de<br />

escol<strong>as</strong> fechad<strong>as</strong> (um desle de nomes indígen<strong>as</strong> de condados, W<strong>as</strong>htenaw, Shiaw<strong>as</strong>see, até<br />

chegar a nossa anglo-saxônica Wayne), ainda conhecíamos a sensação estimulante de car<br />

nos aquecendo dentro de um abrigo, como desbravadores. Hoje em dia, graç<strong>as</strong> aos<br />

deslocamentos de ar causados pel<strong>as</strong> fábric<strong>as</strong> e ao aumento da temperatura do planeta, a neve<br />

nunca mais chega num ataque súbito e furioso, m<strong>as</strong> somente em vagaros<strong>as</strong> acumulações<br />

noturn<strong>as</strong>, ocos momentâneos. O mundo, um artista cansado, nos oferece outro arremedo de<br />

estação. Na época d<strong>as</strong> menin<strong>as</strong> Lisbon, a neve caía toda semana, e munidos de pás abríamos<br />

caminho para os carros, formando pilh<strong>as</strong> mais alt<strong>as</strong> que os próprios automóveis. Caminhões<br />

despejavam sal. Ergueram-se <strong>as</strong> luzes de Natal e o velho Wilson tomou a dianteira com sua<br />

decoração extravagante anual: um homem de neve com seis metros de altura e três ren<strong>as</strong><br />

mecanizad<strong>as</strong> puxando um gordo Papai Noel no trenó. A decoração sempre atraía uma la de<br />

automóveis até a nossa rua, m<strong>as</strong> naquele ano os carros paravam du<strong>as</strong> vezes. Víamos famíli<strong>as</strong><br />

apontando e sorrindo para o Papai Noel e em seguida congelando ávid<strong>as</strong> diante da c<strong>as</strong>a dos<br />

Lisbon, como curiosos mórbidos diante de um acidente. O fato de os Lisbon não terem<br />

acendido luz alguma até o Natal p<strong>as</strong>sar fez a c<strong>as</strong>a parecer ainda mais lúgubre. No gramado<br />

dos Pitzenberger, na c<strong>as</strong>a ao lado, três anjos presos na neve sopravam trombet<strong>as</strong> vermelh<strong>as</strong>.<br />

Nos Bates, do outro lado da rua, jujub<strong>as</strong> colorid<strong>as</strong> brilhavam dentro dos arbustos congelados.<br />

Só em janeiro, depois de uma semana sem trabalho, o sr. Lisbon apareceu para pendurar<br />

algum<strong>as</strong> luzes. Cobriu os arbustos da frente, m<strong>as</strong> quando ligou <strong>as</strong> luzes na tomada não gostou<br />

do resultado. “Uma dess<strong>as</strong> luzes pisca”, comentou com o sr. Bates enquanto este caminhava<br />

até o carro. “A caixa diz que ela tem a ponta vermelha, m<strong>as</strong> conferi tod<strong>as</strong> e não consigo<br />

encontrar a culpada. Odeio luzes que piscam.” Talvez odi<strong>as</strong>se mesmo, m<strong>as</strong> el<strong>as</strong> seguiram<br />

piscando sempre que ele se lembrava de ligá-l<strong>as</strong> na tomada, à noite.<br />

Durante o inverno inteiro, <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> permaneceram esquiv<strong>as</strong>. Às vezes uma ou outra saía<br />

de c<strong>as</strong>a, se abraçando de frio, o hálito anuviando o rosto, e voltava para dentro depois de um<br />

minuto. À noite, Therese continuava a usar o equipamento de radioamador, telegrafando<br />

mensagens que a levavam para longe da c<strong>as</strong>a, a quentes estados sulist<strong>as</strong> e até mesmo ao

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!