Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
p<strong>as</strong>s<strong>as</strong>sem por uma janela e cheg<strong>as</strong>sem ao telhado, onde no auge da paixão esfolavam os<br />
joelhos e rolavam sobre poç<strong>as</strong> de água parada. Nunca descobrimos como Lux os conhecia.<br />
Até onde sabíamos, ela nunca saía de c<strong>as</strong>a. Não saía nem mesmo à noite, quando poderia<br />
escapar para fazer aquel<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> em um terreno baldio ou mais perto do lago, m<strong>as</strong> preferia<br />
transar no mesmo território em que estava connada. De nossa parte, aprendemos muito<br />
sobre <strong>as</strong> técnic<strong>as</strong> do amor, e por não conhecermos <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> que denotavam o que víamos,<br />
foi preciso inventá-l<strong>as</strong>. É por isso que falávamos em “cantar na fenda” e “amarrar o tubo”, em<br />
“gemer no fosso”, “mostrar a cabeça de tartaruga” e “m<strong>as</strong>tigar a erva daninha”. Anos mais<br />
tarde, quando perdemos <strong>as</strong> virgindades, apelamos em meio ao pânico a pantomim<strong>as</strong> d<strong>as</strong><br />
evoluções de Lux sobre o telhado, tanto tempo atrás; e mesmo agora, se fôssemos sinceros,<br />
precisaríamos admitir para nós mesmos que é sempre com aquele espectro pálido que<br />
transamos, sempre os pés dela enroscados na calha, sempre aquela mão solitária buscando<br />
apoio na chaminé, não importa o que os pés e <strong>as</strong> mãos d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> amantes do presente<br />
estejam fazendo. E também precisaríamos admitir que em nossos momentos mais íntimos,<br />
sozinhos à noite com o coração palpitante, pedindo a Deus que nos salve, quem mais aparece<br />
é Lux, súcubo daquel<strong>as</strong> noites binoculares.<br />
Os relatos d<strong>as</strong> aventur<strong>as</strong> erótic<strong>as</strong> chegavam d<strong>as</strong> fontes mais improváveis, garotos de bairros<br />
de cl<strong>as</strong>se baixa com cabelos arrepiados que juravam ter subido no telhado com Lux, e ainda<br />
que os interrogássemos, em busca de inconsistênci<strong>as</strong> n<strong>as</strong> históri<strong>as</strong>, nunca conseguimos<br />
encontrar nada. Eles diziam que dentro da c<strong>as</strong>a era sempre escuro demais para enxergar e<br />
que a mão de Lux era a única coisa viva, ao mesmo tempo urgente e entediada, puxando<br />
cada um deles pela vela do cinto. O chão era uma pista de obstáculos. Dan Tyco, com seu<br />
pescoço de touro, pisou em algo macio no alto da escada e se abaixou para pegar. Só depois<br />
de p<strong>as</strong>sar pela janela e subir no telhado, guiado por Lux, conseguiu enxergar à luz da lua o<br />
que estava segurando: era o sanduíche comido pela metade que o padre Moody tinha<br />
encontrado cinco meses antes. Outros garotos acharam tigel<strong>as</strong> de espaguete coagulado e lat<strong>as</strong><br />
vazi<strong>as</strong>, como se a sra. Lisbon tivesse parado de cozinhar para <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> e el<strong>as</strong> sobrevivessem<br />
coletando alimentos.<br />
Segundo <strong>as</strong> descrições dos garotos, Lux tinha perdido peso, ainda que não pudéssemos<br />
armá-lo com os binóculos. Todos os dezesseis mencionaram <strong>as</strong> costel<strong>as</strong> salientes e a<br />
esc<strong>as</strong>sez d<strong>as</strong> cox<strong>as</strong>, e um deles, que subiu no telhado com Lux durante a chuva de um<br />
inverno quente, contou que <strong>as</strong> saboneteir<strong>as</strong> dela se enchiam de água. Alguns garotos<br />
mencionaram o gosto ácido da saliva — o gosto de uidos digestivos sem ter o que fazer —,<br />
m<strong>as</strong> nenhum desses sinais de subnutrição, doença ou luto (<strong>as</strong> feridinh<strong>as</strong> nos cantos da boca, a<br />
falha no cabelo acima da orelha esquerda) prejudicava a impressão av<strong>as</strong>saladora de Lux<br />
como um anjo carnal. Eles disseram que se sentiram presos contra a chaminé por du<strong>as</strong> <strong>as</strong><strong>as</strong><br />
imens<strong>as</strong> e agitad<strong>as</strong>, e que a leve pilosidade loira sobre o lábio superior parecia uma<br />
plumagem. Os olhos dela brilhavam, ardiam, concentrados na missão de um modo que só