8 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010EM FOCO132FOTO DPH/PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO1. Pelo portão da Martiniano de Carvalho, guardado por leões(um se foi), chegavam os convidados para os bailes e orquestras2. Em 1970, ainda com piscina limpa e quadra de futebol3. O palacete surrealista, de janelas enormes e longas colunasneoclássicas4. Dona Lourdes não encontrou ninguém para substituí-lana limpeza da escadaria, sempre aos sábados5. Cida ajudou a povoar a vila. Chegou em 1970,teve cinco filhos e nove netos6. Deusa grega, brasões e vitrais circulares: restosda demolição do antigo teatro São José7. Por volta de 1920, o português Francisco de Castrocomeçava a erigir seu antigo sonho8. No fim da década de 20, os privilegiados convivasde Xico se esbaldavam na inédita piscina particularSe o sinhô não tá lembrado / dá licença decontá / que aqui onde agora está / esteadifício arto / era uma casa véia/ um palaceteassobradado / foi aqui, seu moço,que eu, Mato Grosso e o Joca/ construímonossa maloca/ mas, um dia, nóisnem pode se alembrá / veio os home co’as ferramenta/ o dono mandô derrubá.Que Adoniran Barbosa compôs um dos maioresclássicos do samba paulista, já se vão mais de 50 anos.Mas a história comovente que o inspirou poderia bemter acontecido ontem, hoje, amanhã. É que estamosfalando de São Paulo, cidade que há séculos se demolee se reconstrói sobre si mesma, na esteira do progresso.E que só por milagre ou sorte preserva seus empoeiradostesouros de concreto. Por um motivo ou outro, apitoresca Vila Itororó é uma dessas joias que resistirambem ou mal à passagem do tempo. Um palacete assobradadoque, há quase nove décadas, está de pé na BelaVista, região central de São Paulo. Passado suficientepara que muitos se esquecessem dela. A primeira vilaurbana de São Paulo não foi ao chão, como o saudoso larSão Paulo, que se demole e se reconstróisobre si mesma, só por milagre ou sortepreserva seus tesouros de concreto. Porum motivo ou outro, a Vila Itororó ficoudeAdoniran,mascorreriscos,poisjáfaztempoquenãovê uma reforma. Limpeza, então, nem de longe. Algunscasebres foram covardemente derrubados, outros, invadidos.Ao todo, vivem por lá 79 famílias, muitas delasem condições precárias. Tem gente, porém, que habitaas boas casas do lugar há décadas. “Lavava essa escadariatodo sábado, filho, de ponta a ponta. Eu não gosto desujeira”,lembrauma,duas,trêsvezesMariadeLourdesIdonato,75anos,60delesvividosali.Maisantigamoradorada vila, dona Lourdes olha em volta e se espantacom o descaso. “Não tinha esse lixo aqui, filho! Agora,ninguém liga, tinha que virar maloca”, lamenta.Erguida nos anos 20 e tombada pelo patrimônio histórico,a Vila Itororó é obra de Francisco de Castro, umnem tão modesto tecelão português, dotado de aspiraçõesà nobreza e imaginação pra lá de fértil. Para tornarrealseupalácioonírico,comprourestosdedemoliçãoeumgrotãoàsmargensdorioItororó.Aospoucos,construiuum conjunto de 37 casas para, com a renda doaluguel, financiar sua fantasia extravagante. Um casarãodetrêsandarese50cômodos,sustentadoporcolunasneoclássicas e decorado com vitrais, carrancas eestátuas de bronze, herdados do antigo teatro São José(que ficava no viaduto do Chá, onde hoje é o ShoppingLight). “É uma arquitetura espontânea, intuitiva, umacolagem que resultou numa obra de caráter surrealistae exuberante“, classifica o arquiteto Décio Tozzi, autordo projeto de revitalização da vila, encomendado pelaPrefeitura de São Paulo. Segundo Tozzi, gente como osirmãos Mário e Oswald de Andrade frequentou o lugar.À noite, as festanças daquele português alegre e sociávelreuniam intelectuais e boêmios no terceiro andardo casarão. De dia, para lavar a alma, os amigos se banhavamna primeira piscina particular da cidade,abastecida pelas águas da nascente do Itororó. Maistarde, o espaço foi transformado no clube Éden Liberdade,para o desfrute dos moradores. “Dona Lourdesdeve lembrar dos bailinhos que dançou por lá”, se in-
Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010 | 94 56 7FOTO DPH/PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO8FOTO DPH/PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULOtromete o boa-praça Arnaldo Cardoso Filho, 48 anos,um dos raros amigos da aposentada na vizinhança.Cidadão nativo da vila, Naldinho é quem nos acompanhapara um passeio pelo que resta dela. Os avós,portugueses, chegaram ao lugar nos bons tempos,cresceram e se multiplicaram. O pai jogou bola numcampo de terra às margens do rio. Ele, na quadra doclube, onde também aprendeu a nadar. Há tempos,porém, a correnteza do Itororó deu lugar ao intensotráfego da Avenida 23 de Maio. Depois, foi a vez daquadra de futebol e da piscina virarem depósito demáquina velha e água suja. Não seria mal voltar a desfrutardas atividades do clube, mas hoje a prática deesportes não está entre suas prioridades. Em breve,Naldinho pode ter que deixar a residência onde, diz,gastou um bom dinheiro ao longo dos anos para trocarpiso, telhado e construir um mezanino. É que a prefeitura,que hoje é dona, quer remover todos os habitantes,independente do tempo de casa, para transformara vila em um centro de cultura e memória do bairro.“Sei que vai ficar bonito, mas e a moradia do pessoal?”,indaga, com desgastada indignação.Histórica também é a indefinição sobre o futuroda Vila Itororó. Após a morte do seu construtor, oconjunto foi comprado por credores e doado à fundaçãoLeonor de Barros Camargo, que mantém aSanta Casa de Indaiatuba. A instituição parou de recolhero aluguel em meados da década de 90 e, algumtempo depois, colocou tudo à venda. Há quemdiga que abastados ilustres como Silvio Santos eAbílio Diniz teriam se interessado pelo negócio.Boatos à parte, quem assumiu o imbróglio foi a prefeitura,após a desapropriação da vila pelo estado e opagamento de indenização à fundação. No ano passado,a justiça determinou a remoção das famíliaspara início de obras de revitalização, decisão queainda não foi cumprida. “As funções cultural e residencialnão são incompatíveis”, contesta a arquitetaRaquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquiteturae Urbanismo da USP e relatora especial daONU para o direito à moradia adequada. “O patrimôniodeve ser revitalizado e preservado, mas semexcluir os moradores, que têm uma relação antiga eo direito de permanecer na vila”, defende Raquel.As festanças daquele português alegree sociável reuniam grandes intelectuaise boêmios paulistanos. De dia, paralavar a alma, os amigos se banhavamna primeira piscina particular da cidadeEm troca da liberação dos imóveis, o governomunicipal ofereceu apartamentos financiados, de40 a 70 metros quadrados, em um edifício ainda emconstrução a três quarteirões da vila. Os habitantes,porém, não se entusiasmaram com a proposta eentraram com uma ação de usucapião. Coordenadorada associação de moradores, a auxiliar de serviçosgerais Maria Aparecida de Santana ajudou apovoar o lugar. Seus cinco filhos e nove netos nascerame ainda vivem ali. Cida ainda sonha em resgatarpara eles a segurança e o ambiente familiar deoutrora. Mas, cansada, reconhece que pode ser tardedemais. “Se sair o despejo, não tem que pensar, éir embora, né?”, resigna-se, pois, como já cantavao sambista, nóis sempre arranja outro lugá.
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