28 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010SVIDASeu envolvimento com a cozinhavem da infância?Minha mãe é russa e nos finaisde semana todos cozinhavam. Issosempre foi uma coisa relacionadaà família e as crianças ajudavam desdecedo. Minha mãe falava: “melhor elesfazerem bagunça agora e aprenderem(a cozinhar), pois isso vai ser útil”.Adorávamos acordar meus pais como café da manhã no domingo. Nos anos70, minha mãe começou a trabalhar.Tínhamos 10 anos nessa época, elesaumentaram consideravelmentea mesada e a cada dia um dos filhos eraresponsável por fazer as compras,cozinhar e deixar tudo brilhando depois.A comida saía gostosa?Meus pais contaram que no início erahorrível, mas aprendemos com o tempo.O que saía melhor era o meu predileto,tortellini ao molho branco.Qual é o prato de sua infância?Os da minha avó. O que eu mais gostavaeram os pirog, pequenos salgadinhosrecheados com carne, ovo e dill.Também gostava muito de blinis, que elafazia em fevereiro, época de carnaval.As ovas de salmão chegam na época maisfria. Comprávamos ovas frescas no portoe não custavam nada.Como foi que a cozinha profissionalapareceu na sua vida?Aos 15 anos, comecei a lavar louçaà noite em um restaurante da mãede uma amiga. Era um restaurante dealta gastronomia e eu achava fantástico.Pensei em ser cozinheiro, mas meuspais não achavam uma boa ideiatrabalhar como operário. Eu tinha aoportunidade de cursar a universidade,coisa que meus pais não fizeram. Elesfalaram para eu estudar primeiro edecidir depois. Fui fazer arquitetura.Durante todo o tempo continueitrabalhando como cozinheiro.Como ouviu falar do <strong>Brasil</strong>?Estudei em uma escola particularsuper de esquerda. A ideia era ensinaros alunos a serem revolucionáriosatravés do conhecimento. Existiamvários projetos, como os do TerceiroMundo. Lembro de um livro noqual tínhamos que fazer comparaçõesentre Cuba e <strong>Brasil</strong>. Assistíamos a ummonte de filmes sobre o <strong>Brasil</strong>, e quandocheguei aqui já sabia o que era Sucam,Incra, Funai. Naquela época, Cubaestava bem mais em alta do quehoje, e o <strong>Brasil</strong> era um mau exemplode desenvolvimento.Você chegou ao <strong>Brasil</strong> de bicicleta.Conte um pouco sobre essa viagem.Tinha um amigo e nós viajamos debicicleta para todos os lugares, Grécia,Turquia, Escandinávia, e resolvemosfazer uma viagem de Los Angeles àCaracas. Quinze dias antes, fui visitaroutro amigo que perguntou se eu sabiaquem era João Gilberto, aquele do Girlfrom Ipanema. Ficamos a noite inteiraescutando o disco, aquele famoso danoite do Carnegie Hall de 1962 (BossaNova at Carnegie Hall), e fiquei doidocom essa música na cabeça. Liguei prameu outro amigo e falei para começar emCaracas e descer até o Rio de Janeiro.Sabia o que vinha pela frente?Não sabíamos de nada. Tínhamos ummapa, fomos nos lugares mais malucos,cheios de garimpeiros. Não sei como nãoaconteceu nada. Achei a Venezuelamuito civilizada pro meu gosto, cheiade famílias indo para a Amazônia demotor home. Mas Roraima há 25, 30anos atrás, era mato, foi do jeito quehavia imaginado, exótico. Não podíamosatravessar uma reserva indígena.As pessoas falaram que eles atacavame pensei: “Meu Deus, posso ser morto poríndios! Prefiro mil vezes morrer assim doque atropelado em Copenhague em umdia de chuva”. Atravessamosde jipe, mas depois conhecemos o <strong>Brasil</strong>pedalando. Fomos até Manaus, pegamoso barco até Santarém, descemos o rioTapajós até ele cruzar coma transamazônica, entramos nelae seguimos até Altamira, lotadade garimpeiros, e chegamos em Belém.De lá descemos todo o litoral.O que te impressionou nos brasileiros?Aqui encontrei pessoas mais abertas,mais sorridentes, e que não travam umaluta de status ao se encontrarem.As pessoas olham nos olhos quandoconversam e isso faz com que você sesinta muito bem recebido socialmente.Acho que os brasileiros têm uma altaautoestima. Isso torna a convivênciamuito mais fácil.Há quanto anos você está no país?A primeira vez que coloquei o pé aquifoi em 1986, fiquei 10 anos indo e vindoe, em 1996, me mudei para Brasília.Conheceu a Amazônia, se apaixonoupelo Rio de Janeiro, e escolheu morarem Brasília. Por quê?Porque conheci Luiz Otávio (sócio noAquavit). Queria ser arquiteto e elearrumou um estágio. Vinha para cá emMeu Deus, posso sermorto por índios!Prefiro mil vezes morrerassim do que atropeladoem Copenhagueem um dia de chuva
Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010 | 29Na horta do Aquavit, Simãotem em mãos a flor comestívelcapuchinha. Em segundo planohá uma profusão de alecrim e,ao fundo, folhas largas de taioba
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