30 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010VIDAtodas as férias. Aí abriu vaga para adidocultural na Embaixada da Dinamarca ecomecei a trabalhar aqui.Como era a vida de diplomata? Isso teajudou a entrar no mundo da cozinha?Fazia exposições de arte, até fui curadorde uma exposição de designdinamarquês na Pinacoteca de SãoPaulo. Mas o tempo todo eu mantinhao sonho de abrir um restaurante. Umdia, fui assistir Simplesmente Martha, saído cinema e tomei a decisão: Simão (elegosta de ser chamado de Simão), vocêestá com 38 anos. Chegou a hora de terseu restaurante. Voltei para Copenhaguee fiquei seis meses trabalhando feito umdoido para me atualizar.Quando nasceu o Aquavit?Voltei e comecei a fazer jantares para fora.Morava na casa que hoje é a do caseiroenquanto construía a da frente. Abri orestaurante bem aos pouquinhos, nocomeço era só sexta e sábado, e foi indo...Como você vê Brasília?Brasília é uma obra de arte. Uma cidadeinteira, bem-sucedida, feita sob amesma filosofia. É um paraíso. Recebomuitos arquitetos dinamarquesesque ficam emocionados.Enxerga paralelos entre elae as cidades dinamarquesas?Na Dinamarca os bairros modernistassão para a classe operária. É engraçadover bairros parecidos, mas que aqui sãochiques. Ninguém com granana Dinamarca mora em um prédiode concreto dos anos 60. O Modernismoaqui tem muito mais status.Como o arquiteto convive como cozinheiro?As profissões têm muito a ver. Você usaa sua sensibilidade para criar um pratoou para desenhar uma casa. Sãoos mesmos ingredientes: criatividade,execução perfeita e bagagem cultural.Quem são suas referências no mundogastronômico?Erwin Lauterbach. Ele começouo movimento nórdico que hoje estáganhando prêmios. Foi o primeiro a usarprodutos bem dinamarqueses.Até a década de 80, a alta cozinhadinamarquesa era a francesa.Que produtos são esses?Os que as avós usavam. Temos um certorefinamento no uso de batatas. As maisnovas são colhidas no final de maio,junho, cremosas, fantásticas.Ele começou a servi-las no restaurante.Fez assim com muitos outros produtos,como os peixes locais, que erammenosprezados. Trabalhei no seurestaurante, o Saison, ele é minhareferência. Sempre fico pensandoo que ele acharia das coisas que faço.O que é a cozinha nórdica?Há cerca de 10 anos, um grupode cozinheiros, entre eles o ErwinLauterbach, fizeram o ManifestoNórdico, uma lista de como deveria sera cozinha nórdica, que priorizou o usode produtos locais, de preferênciaorgânicos. Criou a obrigação docozinheiro pesquisar, estudar e resgatartécnicas e produtos antigos. Tambémsurgiu como uma reação contra produtosde fora e a industrialização na comida.A nova cozinha dinamarquesatem sotaque espanhol?Acho que essa é a diferença entre ErwinLauterbach e René Redzepie (chef doNoma, eleito o melhor restaurante domundo, segundo a revista Restaurant),da nova geração. Lauterbach continuatrabalhando na escola francesa comprodutos dinamarqueses, usa a nouvellecuisine. René foi para Barcelona. Dessaconexão entre as técnicas espanholase os produtos dinamarqueses, nasceua nova cozinha nórdica.O que você busca nas suas criações?Fiz mais ou menos a mesma coisa.Quando cheguei ao <strong>Brasil</strong> conheciaas técnicas francesas e as tradiçõesdinamarquesas. Procurei traduzir issousando produtos daqui.Você é um divulgador do cerrado?Você tem que usar o que tem à mão.Não vou abrir um restaurante paraimportar arenques velhos e fazer ummuseu gastronômico com a tradição daDinamarca.A ideia foi bem recebida?Sofri um pouco com preconceito. Pequié o maior exemplo, fiz um pratoinspirado na feijoada da Helena Rizzo(chef do restaurante Mani de São Paulo).FOTO ARQUIVO PESSOALSaí do cinemae tomei a decisão:Simão, você estácom 38 anos.Chegou a horade ter seurestauranteFOTO ARQUIVO PESSOALSimon, já meio Simão, em um de seus trabalhos nas cozinhas dinamarquesas, em 2003Esferifiquei (técnica espanhola) pequie servi com arroz negro de Goiáse torresmos. Servimos como amuse--bouche e não contamos o que era.As pessoas falaram: “Porra, Simão. Vocême fez comer pequi, e o pior é queestava uma delícia”. Isso foi umavitória. Mas é um exemplo extremo.Como eu só ofereço um menu, aspessoas ficam induzidas a provar coisasque não comeriam em um cardápionormal. Isso é legal porque atravessamalguns limites.No mundo politicamente correto,ainda há espaço para foie gras, baleia,atum e tartaruga?Devemos ter claras as consequênciasdo que fazemos. Nunca serviria algo queestá em extinção. Não vou servirtartaruga selvagem. A reação com foiegras é um pouco exagerada.Você queria um restaurante chique?Meu sonho nunca foi ter um restaurantechique. Queria um lugar para brincarcom as criações sem ter tantos limitesfinanceiros. É muito mais divertidoum restaurante com uma propostagastronômica.Mas o Aquavit, afinal,é um restaurante de luxo?Não é um restaurante de luxo. Não temosum monte de funcionários, louçasfantásticas, mas, para compensar, temosa vista, a arquitetura e as obras de arte.Queria o ambiente do restaurantedescontraído. Não acho que para comerbem você deva ter um monte de regrasfrancesas antigas. Quero um lugar ondese coma bem e ponto.Um Simon jovenzito e franjudo em viagem (de bicicleta, é claro) à Bulgária, Grécia e Turquia, em 1982Quais são os encantos do cerrado?Vejo o cerrado não só como natureza, mascomo terroir. O milho do Centro-Oeste éincrível, o melhor da faceda Terra. Os produtores que vendemo milho na feira perguntam o que você vaifazer com ele. Para pamonha não pode sermuito verde, para refogar o melhor é onovinho, branquinho. Isso é a culturagastronômica na sua essência. Uso muitoessas tradições. O palmito guariroba é omais conhecido, mas tem a baunilha, queé grande estrela do cerrado.
Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010 | 31Como é ter um dos melhoresrestaurantes do país fora do eixogastronômico?Quando contei do projeto, me disseramque eu ia quebrar a cara, que “ninguémquer comer essa comida aqui”. Queriamcarne e risoto. Como chef você tema responsabilidade de abrir os olhosdas pessoas. Não é só um negócio.Não seria mais fácil e recompensadorter um restaurante em São Paulo?Não sei. Agora que fui eleito chef do ano(pelo Guia Quatro Rodas) será fácil dizerisso. Você não precisa estar no centrodo furacão se faz algo legal. E outracoisa. Em Brasília há pessoas muitosofisticadas, altos funcionários,que viajam, conhecem os melhoresrestaurantes do mundo. Existeum mercado para a alta gastronomia.O que muda no cotidianocom prêmios comoesse do Guia Quatro Rodas?Dá energia, porque um restaurantepequeno é muito trabalhoso. Issoé o combustível para continuar,para a equipe toda foi fantástico,eles enlouqueceram.Quais grandes políticosfrequentam o Aquavit?A Marta Suplicy vinha muito. Mas aquinão é lugar frequentado por políticos.Meus clientes são funcionários públicosde alto escalão, o pessoal do Congresso,do Itamaraty e, agora, turistas quequerem conhecer o Aquavit.Ainda se sente um gringo no <strong>Brasil</strong>?Depende. Uma coisa que adoro noPaladar (caderno de gastronomia doEstadão) é que sou tratado como goiano.A única coisa que atrapalha é o meusotaque.Onde se sente mais em casa, no <strong>Brasil</strong>ou na Dinamarca?Cada vez o <strong>Brasil</strong> está mais a minha casae a Dinamarca, menos. Sou cada vezmais exótico quando vou para lá. Achodifícil voltar, mas adoro passar férias.Já se naturalizou?Isso é outra história. Se eu me naturalizarperco minha cidadania dinamarquesa,sinto que ainda não estou preparado paraisso. Sou dinamarquês, não há comonegar.O que você gosta de comer?O que mais gosto é quando dona Neusa(mãe de Luiz Otávio, sócio dorestaurante) faz comida. Ela é goianae cozinha muito bem, é uma fontede inspiração. Ela faz arroz com suãe banana frita, e faz todos os grandesclássicos brasileiros, bobó de camarão,pato no tucupi, uma delícia. Adorotambém bife de patinho bem batido comarroz, feijão, farofa, ovo frito e saladade tomate.Em Brasília há pessoasmuito sofisticadas,que conhecemos melhoresrestaurantesdo mundo. Existeum mercado paraa alta gastronomiaa fruta tão deliciosa como essa não podiamatar. Comemos dez, era caju! Eu nuncatinha visto um caju antese ele conquistou meu coração.Que grande prazer você tem quandonão está na cozinha?Receber. Como durante a semananão tenho tempo de ver meus amigos,faço muitas festas no domingo.Mas o que gosto muito e não tenhoconseguido fazer é ir ao cerrado, viajarpara a Chapada dos Veadeiros,Pirenópolis e Goiás Velho (cidadede Goiás). Em janeiro, vou paraBoipeba (na Bahia), onde realmenteconsigo relaxar. Também adoro oCarnaval do Rio de Janeiro. Desfilohá quase 20 anos.Como você imagina seu futuro?Estou com esse conceito do Aquavithá seis anos. Fico com vontadede abrir alguma coisa no Plano Piloto.Ter aqui como um lugar de criaçãoe, lá na cidade, algo mais acessível.Quero ter um restauranteonde não abra mão dos meus princípios,mas que não tenha que usar produtosde luxo.Você pensa em ir para São Paulo?Sempre que chego em São Paulo mequestiono sobre por que não venhopara onde tudo acontece.Mas olha isso aqui (aponta paraa janela com a vista para o Lago Paranoá,a mata verde e a cidade ao fundo).Por que iria deixar isso aqui?E as frutas?Lembro quando a manga chegou naDinamarca, nos anos 70, mas elastinham gosto de maçã de tão verdes. Naviagem de bicicleta, na grande savana daVenezuela, acabou a água e vimos umaárvore com uma fruta vermelha e umpequeno nó embaixo, linda. Nãosabíamos o que era. Ficamos em umdilema entre morrermos de sede ouenvenenados. Provei uma e conclui queMAKING OFUm final de semana em Brasília. Foi nessas condições, em plena seca do Centro-Oeste, que esta reportagemsurgiu. Desembarquei no sábado para um almoço inspirador. Dona Neusa, sua filha Sílvia e a faz-tudo Rosângelapreparavam um típico almoço goiano. Arroz com pequi, filé picadinho na ponta da faca, feijão, milho e salada.Delícia. Simon tem razão, Dona Neusa (mãe de seu sócio) é cozinheira de primeira. De lá seguimos parao restaurante, afastado da cidade, pois a preparação da Festa de Babette nos esperava. Mais um banquete.Na manhã seguinte, duas horas de conversa (gravadas) renderam a entrevista. Outro almoço com Dona Neusa,sol na piscina, e o repórter dá adeus ao cerrado, antes das chuvas acabarem com os 123 dias da seca de 2010.
- Page 1 and 2:
Pronta para viver.Terrenos a partir
- Page 5:
Sexta-feira e fim de semana, Sexta-
- Page 8 and 9:
8 Brasil Econômico Sexta-feira, e1
- Page 10 and 11:
10 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 12 and 13:
12 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 14 and 15:
14 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 16 and 17:
16 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 18 and 19:
18 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 20 and 21:
20 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 22 and 23:
22 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 24 and 25:
24 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 26 and 27:
26 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 28 and 29: 28 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 30 and 31: 30 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 32 and 33: 32 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 34 and 35: 34 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 36 and 37: 36 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 38 and 39: 38 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 40 and 41: 40 Brasil Econômico Sexta-feira, e
- Page 42 and 43: B2 | BRASIL ECONÔMICO - ESPECIAL C
- Page 44 and 45: B4 | BRASIL ECONÔMICO - ESPECIAL C
- Page 46 and 47: B6 | BRASIL ECONÔMICO - ESPECIAL C
- Page 48 and 49: B8 | BRASIL ECONÔMICO - ESPECIAL C
- Page 50 and 51: 2 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.201
- Page 52 and 53: 4 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.201
- Page 54 and 55: 6 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.201
- Page 56 and 57: 8 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.201
- Page 58 and 59: 10 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 60 and 61: 12 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 62 and 63: 14 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 64 and 65: 16 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 66 and 67: 18 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 68 and 69: 20 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 70 and 71: 22 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 72 and 73: 24 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 74 and 75: 26 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 76 and 77: 28 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.20
- Page 80: FIM DE PAPOSimon e equipe a todovap