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empresas - Brasil Econômico

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24 | Outlook | Sexta-feira, 1.10.2010ECONOMIA DE PALAVRASPaulo Lima SoraggiO Piscinagatee as orelhas quebradasMinha entrada para o universo da imprensa coincidia com a saída destemundo. O jornal funcionava no cômodo administrativo de uma funerária.A redação? Um sofá, duas escrivaninhas descascando papel Contacte duas máquinas de escrever Olivetti.Os ares até que não eram muito pesados graças à floricultura que funcionavano mesmo empreendimento. Enquanto um corpo era encanteiradocom as flores da morte, eu escrevia a incrível história da inauguraçãode mais um semáforo.Nossa intrépida equipe era chefiada pelo dono da funerária, às vezeseditor. Eu era repórter, revisor, faxineiro, fotógrafo, entregador de jornal,motorista, cobrador e fazedor de café.Nas matérias datilografadas eram registrados códigos que as encaixariamnos espaços delimitados na “boneca”, uma espécie de mapa emcartolina que orientava a disposição dos textos e publicidades.A boneca e as matérias pegavam o ônibus e viajavam mais de duzentosquilômetros até o município onde ficava a gráfica. Três dias depois, recebíamosos maços do tablóide. Os colaboradores e alguns espiões de antrospolíticos iam à redação para o ritual de etiquetagem dos jornais que seriamenviados aos assinantes. Café, cigarro e conversa boa. Na Kombi dafunerária, eu percorria as principais freguesias para renovar as bancas.Eu acreditava que minha máquina de escrever poderia fazer a revolução.Lembro de uma grande reportagem-denúncia. Disfarçado de mimmesmo, percorri todas as guaritas da linha férrea que cortava a cidade.Era lá que trabalhavam os servidores municipais responsáveis porbaixar as cancelas que impediriam o trânsito durante a passagem dostrens de carga. Um leitor havia ligado para alertar que aquelas casinhasnão tinham banheiro.O regime era de 24h de trabalho por 48h de folga. Poucos vizinhoscediam seus banheiros. A maioria dos servidores procurava um matinhopara fazer das tripas coração. Depois da primeira página, o prefeitomandou construir sanitários em todas as guaritas. E fui o herói da Revoluçãodo Trono.Houve o caso Piscinagate. Eu passava em frente à academia de ginásticado filho do prefeito. Ouvi o rosnar de um motor monstro. Nofundo da propriedade, uma retroescavadeira estava dentro de um buracoretangular. Pude distinguir a plaquinha da administração municipalna dita máquina.Corri para a funerária, digo, redação, e contatei minhas fontes. Meufaro estava certo: a máquina estava cavando a futura piscina da academiareal. Eu e minha máquina fotográfica corremos por aqueles passeios estreitos.A retroescavadeira ainda urrava no buraco. Esgueirei-me réptil.Foquei o emblema do município. Pronto. Estava flagrado o uso de umbem público na piscina onde o filho do prefeito ficaria ainda mais rico.No enquadramento, peguei o funcionário da prefeitura que trabalhavacomo motorista do prefeito. Ele me viu. Eu ventei. Ele dirigiu o Comodoroda prefeitura. Eu entrei no depósito da torrefadora de café e me jogueiatrás de uma pilha de sacos. Ele perguntou aos carregadores. Eu conheciaa rapaziada.A manchete fez o promotor de justiça chamar gente grande ao fórum.O prefeito foi obrigado a pagar, do próprio bolso, o aluguel da máquinae o óleo diesel consumido na empreitada. Tirei foto do promotorpara a sequência da história. De terno bege, ele ficou parecendo o TonyMontana em Scarface. Quanto a mim, finalmente consegui sair com afuncionária da funerária, digo, da floricultura. Eu, um influente homemdo quarto poder.A cidade recebeu um político, candidato a presidente pela primeiravez. Eu cobri. No palanque, um cara alto. Cabelos e barba brancos. EraLeonardo Boff. Gaguejei diante do herói da libertação de minha fé.Mas o candidato era outro. Barba preta, meio pançudo, orelhinhasquebradas, fala grossa. “Esse sujeito nunca vai ser presidente nem de asilo”,disseram atrás de mim.Lula foi pouco aplaudido por pouca gente naquela noite.A manchetefezo promotorde justiça chamargente grandeao fórum.O prefeito foiobrigado a pagar,do próprio bolso,o aluguel damáquina e o óleodiesel consumidona empreitada.Tirei foto dopromotor paraa sequência dahistória. De ternobege, ele ficouparecendo oTony Montanaem Scarface.Quanto a mim,finalmente conseguisair com afuncionáriada funerária,digo, da floricultura.Eu, um influentehomem doquarto poderPaulo Lima Soraggi é escritor,músico e graduado em letras.

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