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opinião<br />
ValeryBrozhinsky/iStock<br />
Desalgoritme-se!<br />
Flávio Cor<strong>de</strong>iro<br />
Ao longo dos últimos anos fomos apresentados<br />
a essa nova “entida<strong>de</strong>” controladora<br />
<strong>de</strong> nossas vidas: Vossa Excelência,<br />
o algoritmo. Ele se transformou<br />
numa espécie <strong>de</strong> fatalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino. A<br />
promessa é mais ou menos a seguinte: enten<strong>de</strong>ndo<br />
quem você é, conhecendo seus<br />
hábitos e suas buscas, empresas, políticos<br />
e “movimentos” se tornam cada vez mais<br />
eficientes na tarefa <strong>de</strong> antecipar o seu <strong>de</strong>sejo<br />
ou, no pior cenário, manipulá-lo.<br />
O subtexto é simples: você é uma pessoa<br />
risivelmente previsível. O algoritmo<br />
seria apenas o mapa da sua previsibilida<strong>de</strong>.<br />
Eu sei o que você fez no verão passado<br />
e aposto que saberei (dado que você não<br />
é lá uma pessoa muito surpreen<strong>de</strong>nte) o<br />
que pessoas “do seu tipo”<br />
vão fazer no verão seguinte.<br />
Darwin mostrou que dois lagartos<br />
idênticos, separados e<br />
vivendo em ilhas apartadas,<br />
tomam caminhos evolutivos<br />
completamente distintos para<br />
se adaptar a meios diferentes.<br />
Se substituirmos “ilha” por “bolha”, veremos<br />
que, tais como os lagartos <strong>de</strong> galápagos,<br />
ten<strong>de</strong>mos a nos parecer cada vez mais<br />
com os répteis da nossa ilha e nos distinguir<br />
dos irmãos lagartos da ilha ao lado.<br />
Talvez passemos até a <strong>de</strong>vorar o outrora<br />
nosso parente na primeira oportunida<strong>de</strong>.<br />
O problema com a previsibilida<strong>de</strong> é que<br />
ela nos torna criaturas <strong>de</strong>sinteressantes.<br />
Os biomas mais ricos são os mais diversos.<br />
A Amazônia é mais rica do que o Saara em<br />
função <strong>de</strong> sua diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fauna, flora,<br />
minerais, variações climáticas, rios etc.<br />
Restrito ao algoritmo, você aos poucos se<br />
transforma num <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e passa<br />
representar fielmente o estereótipo da sua<br />
ilha: um lagarto típico. Regina Casé costuma<br />
dizer em suas palestras que é o terror<br />
dos algoritmos. Por quê? Porque suas<br />
“O algOritmO<br />
é ilha que<br />
esfria nOssO<br />
sangue”<br />
amiza<strong>de</strong>s e interesses abrangem leques <strong>de</strong><br />
gente tão amplos que dificilmente se encontrariam<br />
para tomar um chope. Regina<br />
funciona como uma espécie <strong>de</strong> elo entre<br />
as ilhas. O algoritmo pira com Regina Casé<br />
porque ela não respeita a geografia bem<br />
<strong>de</strong>marcadinha das ilhas e das bolhas. Regina<br />
Casé é amazônica! Na década <strong>de</strong> 1970,<br />
o neurocientista Paul MacLean apresentou<br />
a teoria do cérebro dividido em três unida<strong>de</strong>s,<br />
que seriam na verda<strong>de</strong> três camadas<br />
históricas. A camada mais recente seria o<br />
neocortex, responsável pelas funções executivas,<br />
pelo pensamento abstrato e pela<br />
inventivida<strong>de</strong>; a camada intermediária<br />
seria o sistema límbico, o cérebro dos mamíferos,<br />
responsável pela afetivida<strong>de</strong>; e a<br />
camada mais arcaica, o cérebro reptiliano<br />
(que compartilhamos com os répteis),<br />
responsável pelas respostas instintivas e<br />
emoções mais primárias: agressivida<strong>de</strong>,<br />
falta <strong>de</strong> empatia, raiva e<br />
medo.<br />
Desconfio que aprisionados<br />
em nossas ilhas, nos comportemos<br />
cada vez mais como répteis,<br />
<strong>de</strong>stilando emoções primárias e<br />
nos distanciando da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar<br />
as pontes afetivas dos mamíferos e embotando<br />
<strong>de</strong>finitivamente a inventivida<strong>de</strong><br />
e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento lógico do<br />
neocortex <strong>de</strong>masiadamente humano. Os<br />
lagartos ilhados tornam-se neofóbicos: toda<br />
diferença e novida<strong>de</strong> é encarada como<br />
ameaça. Na “bolha” agimos como animais<br />
<strong>de</strong> sangue frio. O algoritmo é ilha que esfria<br />
nosso sangue e <strong>de</strong>sumaniza porque reforça<br />
o réptil em nós. Então, aproveitando que<br />
o ano apenas começa, sejamos mais amazônicos<br />
e menos <strong>de</strong>sérticos. Sejamos mais<br />
humanos e menos répteis frios. Sejamos<br />
menos previsíveis e mais interessantes! Vamos<br />
enlouquecer os algoritmos com mais<br />
improbabilida<strong>de</strong>s, experimentando mais,<br />
convivendo mais, <strong>de</strong>struindo muros, construindo<br />
pontes. Desalgoritme-se!<br />
Flávio Cor<strong>de</strong>iro é sócio e diretor <strong>de</strong> planejamento<br />
estratégico da Bin<strong>de</strong>r<br />
flavio@bin<strong>de</strong>r.com.br<br />
jornal propmark - <strong>11</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> 33