08.02.2019 Views

edição de 11 de fevereiro de 2019

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

opinião<br />

ValeryBrozhinsky/iStock<br />

Desalgoritme-se!<br />

Flávio Cor<strong>de</strong>iro<br />

Ao longo dos últimos anos fomos apresentados<br />

a essa nova “entida<strong>de</strong>” controladora<br />

<strong>de</strong> nossas vidas: Vossa Excelência,<br />

o algoritmo. Ele se transformou<br />

numa espécie <strong>de</strong> fatalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino. A<br />

promessa é mais ou menos a seguinte: enten<strong>de</strong>ndo<br />

quem você é, conhecendo seus<br />

hábitos e suas buscas, empresas, políticos<br />

e “movimentos” se tornam cada vez mais<br />

eficientes na tarefa <strong>de</strong> antecipar o seu <strong>de</strong>sejo<br />

ou, no pior cenário, manipulá-lo.<br />

O subtexto é simples: você é uma pessoa<br />

risivelmente previsível. O algoritmo<br />

seria apenas o mapa da sua previsibilida<strong>de</strong>.<br />

Eu sei o que você fez no verão passado<br />

e aposto que saberei (dado que você não<br />

é lá uma pessoa muito surpreen<strong>de</strong>nte) o<br />

que pessoas “do seu tipo”<br />

vão fazer no verão seguinte.<br />

Darwin mostrou que dois lagartos<br />

idênticos, separados e<br />

vivendo em ilhas apartadas,<br />

tomam caminhos evolutivos<br />

completamente distintos para<br />

se adaptar a meios diferentes.<br />

Se substituirmos “ilha” por “bolha”, veremos<br />

que, tais como os lagartos <strong>de</strong> galápagos,<br />

ten<strong>de</strong>mos a nos parecer cada vez mais<br />

com os répteis da nossa ilha e nos distinguir<br />

dos irmãos lagartos da ilha ao lado.<br />

Talvez passemos até a <strong>de</strong>vorar o outrora<br />

nosso parente na primeira oportunida<strong>de</strong>.<br />

O problema com a previsibilida<strong>de</strong> é que<br />

ela nos torna criaturas <strong>de</strong>sinteressantes.<br />

Os biomas mais ricos são os mais diversos.<br />

A Amazônia é mais rica do que o Saara em<br />

função <strong>de</strong> sua diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fauna, flora,<br />

minerais, variações climáticas, rios etc.<br />

Restrito ao algoritmo, você aos poucos se<br />

transforma num <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e passa<br />

representar fielmente o estereótipo da sua<br />

ilha: um lagarto típico. Regina Casé costuma<br />

dizer em suas palestras que é o terror<br />

dos algoritmos. Por quê? Porque suas<br />

“O algOritmO<br />

é ilha que<br />

esfria nOssO<br />

sangue”<br />

amiza<strong>de</strong>s e interesses abrangem leques <strong>de</strong><br />

gente tão amplos que dificilmente se encontrariam<br />

para tomar um chope. Regina<br />

funciona como uma espécie <strong>de</strong> elo entre<br />

as ilhas. O algoritmo pira com Regina Casé<br />

porque ela não respeita a geografia bem<br />

<strong>de</strong>marcadinha das ilhas e das bolhas. Regina<br />

Casé é amazônica! Na década <strong>de</strong> 1970,<br />

o neurocientista Paul MacLean apresentou<br />

a teoria do cérebro dividido em três unida<strong>de</strong>s,<br />

que seriam na verda<strong>de</strong> três camadas<br />

históricas. A camada mais recente seria o<br />

neocortex, responsável pelas funções executivas,<br />

pelo pensamento abstrato e pela<br />

inventivida<strong>de</strong>; a camada intermediária<br />

seria o sistema límbico, o cérebro dos mamíferos,<br />

responsável pela afetivida<strong>de</strong>; e a<br />

camada mais arcaica, o cérebro reptiliano<br />

(que compartilhamos com os répteis),<br />

responsável pelas respostas instintivas e<br />

emoções mais primárias: agressivida<strong>de</strong>,<br />

falta <strong>de</strong> empatia, raiva e<br />

medo.<br />

Desconfio que aprisionados<br />

em nossas ilhas, nos comportemos<br />

cada vez mais como répteis,<br />

<strong>de</strong>stilando emoções primárias e<br />

nos distanciando da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar<br />

as pontes afetivas dos mamíferos e embotando<br />

<strong>de</strong>finitivamente a inventivida<strong>de</strong><br />

e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento lógico do<br />

neocortex <strong>de</strong>masiadamente humano. Os<br />

lagartos ilhados tornam-se neofóbicos: toda<br />

diferença e novida<strong>de</strong> é encarada como<br />

ameaça. Na “bolha” agimos como animais<br />

<strong>de</strong> sangue frio. O algoritmo é ilha que esfria<br />

nosso sangue e <strong>de</strong>sumaniza porque reforça<br />

o réptil em nós. Então, aproveitando que<br />

o ano apenas começa, sejamos mais amazônicos<br />

e menos <strong>de</strong>sérticos. Sejamos mais<br />

humanos e menos répteis frios. Sejamos<br />

menos previsíveis e mais interessantes! Vamos<br />

enlouquecer os algoritmos com mais<br />

improbabilida<strong>de</strong>s, experimentando mais,<br />

convivendo mais, <strong>de</strong>struindo muros, construindo<br />

pontes. Desalgoritme-se!<br />

Flávio Cor<strong>de</strong>iro é sócio e diretor <strong>de</strong> planejamento<br />

estratégico da Bin<strong>de</strong>r<br />

flavio@bin<strong>de</strong>r.com.br<br />

jornal propmark - <strong>11</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> 33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!