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PAGINAÇÃO 205

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CONTRIBUIÇÃO

Por Sousa Jamba

DESORGANIZAÇÃO ÚTIL

Algumas meses atrás, eu estava num mercado popular no Huambo observando

atentamente o que estava passando. Isto era antes da pandemia

do Covid 19 e questões de saúde, por causa da falta de higiene naquela

localidade, estavam a preocupar bastante. A carne estava a ser vendida

numa bancada de cimento onde as moscas aterravam como jatos num

porta-aviões. Perto, havia pequenos córregos onde passava líquidos

malcheirosos e fétidos. Vender carne naquela localidade era completamente inaceitável.

Inquiri e soube que os vendedores do mercado pagavam uma taxa diária. Fiz os cálculos

e conclui que o mercado recebia mensalmente o equivalente de oitenta mil dólares.

Suspeito que a maior parte desta quantia desaparecia entre várias figuras poderosas á

quem melhorar as condições do mercado não importava tanto. Para eles, aquele caos

era altamente proveitoso.

Vivo na comuna do Chiumbo, entre Katchiungo e Bailundo. Um dos grandes problemas

por cá é a falta de combustível. Saio da Tchicala-Cholo-Hanga, passo pelo o

Katchiungo, depois Bailundo e não encontro uma unica gota de gasoil. A resposta é

sempre que no há combustível, ou o gerador não está funcionar etc. Descobri, porém,

que isto nem sempre corresponde à verdade; pagando alguém um dois mil Kwanzas ou

mais de repente tudo passa a funcionar perfeitamente. Há, também, a prática em que os

operadores das bombas dão o combustível á seus associados que revendem á um preço

elevadíssimo. Certamente há quem vai facturando desta desorganização.

Conheço uma jovem empresária que vai abrir uma loja no meio da cidade do Huambo

para vender vegetais. Ela me disse que notou que muita gente não gosta da experiência

de ir aos mercados populares — e também não pode com os elevadíssimos preços

dos supermercados. O plano desta jovem é transformar a experiência de fazer compras

mais agradável á um preço razoável. Segundo ela, a inspiração para este projecto veio de

um loja de vegetais que ela viu numa viajem pela a França.

A verdade é que a eficiência, á longo prazo, recompensa. Entre Chinguar a Bie, há um

mercado muito popular — especialmente entre motoristas; os produtos aí são baratíssimos.

Não gostei das experiências da última vez que la estive. Paramos e, do nada,

surgiram homens que insistiram em ser os nossos interlocutores com os vendedores. A

especialidade destes homens era nos bajular e insistir em certos preços dos produtos

que queríamos. Mesmo se o vendedor estivesse pronto a baixar o preço estes homens

iriam insistir até ao último momento no preço em que eles fariam lucros. Eles faziam

tudo para evitar qualquer rapprochement entre nós e os vendedores. O meu amigo comprou

um cabrito e perguntou se o vendedor tinha mais animais. A senhora disse que sim

tinha em casa que não era longe; estes interlocutores ficaram visivelmente zangados e

começaram a fazer ameaças á senhora. Para eles, levar os clientes para as casas não era

boa prática porque o excluía. Notei, depois, que estes homens trabalhavam com os chefes

do mercado — dividindo as “comissões” do que eles vendiam á um preço elevado.

Em termos práticos, estes “interlocutores” não aumentavam nenhum valor na qualidade

dos produtos que estavam a ser vendidos; eles estavam lá para tirarem vantagens do

caos. Este fenómeno não é só Angolano. Em Kinshasa, capital da República do Congo,

há pessoas cuja especialidade é “raptar” vendedores no Rio Congo que saem do interior

com produtos para vender. Estes “mouvancers,” como são conhecidos, fazem tudo para

vender os produtos a um preço elevado.

A desorganização, como a corrupção, beneficia um grupo restrito. Um mercado

limpo, onde todos requisitos de higiene são observados, iria atrair mais clientes e

beneficiar muita gente. Quando os operadores das bombas de gasolina operam na base

de vários esquemas, o público fica a perder e eles próprios, ao longo prazo, também vão

perder a fonte do seu sustento. Quando as instituições educacionais produzem alunos

com bases académicas suspeitas, muitos aspectos da nação ficam enfraquecidos. O grande

desafio é convencer á todos que a eficiência e transparência, ao longo preço, é mais

proveitosa...

Figuras&Negócios - Nº 205 - OUTUBRO 2020 17

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