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última página<br />
Alê Oliveira<br />
A IA mostra a cara.<br />
E ela é feia<br />
Stalimir Vieira<br />
é diretor da Base <strong>de</strong> Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
Stalimir Vieira<br />
Se a Maria Rita topou a i<strong>de</strong>ia e aprovou a realização,<br />
e os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do Belchior aceitaram o uso da<br />
música, quem sou eu para discordar <strong>de</strong>les?<br />
Não vou, portanto, entrar no mérito se usar uma espécie<br />
<strong>de</strong> Elis Regina ressuscitada num anúncio <strong>de</strong> carro<br />
e uma música exatamente irônica e contestatória ao<br />
que o roteiro afirma é ou não é a<strong>de</strong>quado. Vou me <strong>de</strong>ter<br />
no como.<br />
Começando por reconhecer um gran<strong>de</strong> mérito na<br />
peça: mostrar para todos nós que, em <strong>de</strong>terminadas<br />
aplicações, a inteligência artificial é (ou ainda é) uma<br />
merda.<br />
Se aquilo é o melhor possível, com toda a grana que,<br />
imagino, esteve disponível para usar na produção, daqui<br />
a alguns anos vão dar tanta risada <strong>de</strong> nós, quanto damos<br />
hoje, assistindo animações dos anos 1970.<br />
Lembro-me que há muito tempo, talvez no aniversário<br />
<strong>de</strong> um ano da morte <strong>de</strong> Elis Regina, o “Fantástico” fez<br />
uma homenagem a ela, produzindo uma montagem em<br />
ví<strong>de</strong>o, em que Elis aparece cantando entre nuvens (digamos<br />
que como se estivesse no céu).<br />
Breguinha, mas tudo bem, embora duvi<strong>de</strong> que Elis,<br />
mulher à frente do seu tempo, aprovasse a bobagem.<br />
Talvez não tenha nada a ver uma coisa com a outra,<br />
mas me veio à memória uma outra “ocorrência” na<br />
tevê.<br />
Era um programa <strong>de</strong>sses da tar<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> semana.<br />
A apresentadora quis homenagear uma celebrida<strong>de</strong><br />
que havia tido um filho recentemente. Para isso, contratou<br />
uma especialista em fazer bonecos em silicone.<br />
Inspirada em fotos da criança, a moça criou uma reprodução<br />
perfeita do pequeno.<br />
Chegou o dia da surpresa.<br />
Ao vivo, a apresentadora entregou à mãe, um “<strong>de</strong>funtinho”<br />
do próprio filho. Patético. Voltando ao “como”<br />
do nosso comercial, digo que, fã <strong>de</strong> carteirinha, tenho a<br />
imagem <strong>de</strong> Elis Regina em toda a sua carreira vitoriosa,<br />
muito presente. Fosse dotado para o <strong>de</strong>senho, a <strong>de</strong>senharia<br />
<strong>de</strong> olhos fechados.<br />
A Elis da IA é uma coisa inventada pela IA, uma interpretação<br />
“morta”, que tenta dar vida à uma pessoa<br />
falecida. Então, não é a Elis; talvez o fantasma da Elis,<br />
se existir, seja mais humano que as imagens produzidas.<br />
Como sou do ramo, sei muito bem que, a partir <strong>de</strong> um<br />
certo momento, as <strong>de</strong>cisões se tornam irreversíveis, sob<br />
pena <strong>de</strong> ocorrer uma catástrofe operacional e financeira.<br />
Já passei por isso.<br />
Na hora <strong>de</strong> escolher entre prejuízos objetivos ou futuras<br />
críticas (como as que estou fazendo agora), tocamos<br />
o barco em frente.<br />
Certamente, os profissionais envolvidos perceberam<br />
que a interpretação que a IA fez do que seria Elis Regina<br />
é tristemente limitada e remete a um boneco <strong>de</strong> mola.<br />
Se terá entendido, no entanto, que bastaria “diluir”<br />
essa falha técnica numa sequência clássica <strong>de</strong> situações<br />
“sentimentais”, que tudo viraria um sucesso.<br />
Como, <strong>de</strong> fato, virou. Guardandas as <strong>de</strong>vidas proporções,<br />
do mesmo modo como, também, costumam virar<br />
sucesso novelas turcas e mexicanas.<br />
Esse comercial é emblemático para compreen<strong>de</strong>rmos<br />
o novo padrão “emocional” que o uso da IA estabelece.<br />
Uma estética gelada, uma narrativa literal, e matematicamente<br />
focada num alvo lógico, criado para aten<strong>de</strong>r<br />
aos anseios <strong>de</strong> uma “sensibilida<strong>de</strong>” gerada pela<br />
própria IA. Ou seja, embora eu seja, economicamente,<br />
um potencial comprador <strong>de</strong> um carro da Volkswagen, a<br />
minha opinião, a bem da verda<strong>de</strong>, já não tem nenhuma<br />
importância.<br />
“Esse comercial é<br />
emblemático para<br />
compreen<strong>de</strong>rmos<br />
o novo padrão<br />
‘emocional’<br />
que o uso da<br />
IA estabelece”<br />
34 <strong>10</strong> <strong>de</strong> <strong>julho</strong> <strong>de</strong> <strong>2023</strong> - jornal propmark