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INTRODUÇÃO Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos ... - USCS

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No questionário, fora relatado<br />

que, com a chegada de um maior número<br />

de mulheres na corporação, desencadeouse<br />

ali um ambiente de certa hostilidade<br />

entre os guardas de sexos diferentes, revelando-se<br />

ora de forma velada, ora explicitamente,<br />

mas sempre demonstrando que o<br />

relacionamento entre mulheres e homens<br />

nesse tipo de organização é permeado de<br />

ações discriminatórias, conforme descreve<br />

uma das guardas entrevistadas:<br />

“Fomos recebidas com discriminação,<br />

pois os guardas masculinos achavam<br />

e diziam que lugar de mulher era no<br />

tanque e no fogão, que não tínhamos<br />

capacidade e nem competência<br />

para fazer o mesmo serviço que<br />

eles” (s/nome, 28 anos, quatro anos<br />

de corporação).<br />

Apesar de formalmente assentada<br />

na missão de “proteger e servir”, o que se<br />

privilegia na identidade policial militar são,<br />

sobretudo, as virtudes “másculas” e “guerreiras”:<br />

“bravura”, “heroísmo”, força física,<br />

aptidão para o risco, virtudes de que as<br />

mulheres estariam, por hipótese, desprovidas.<br />

Como indica Jacqueline Muniz:<br />

“Idealizado pelos PMs da ponta da<br />

linha como uma espécie de ‘terra de<br />

machos’, o mundo das ruas é descrito<br />

como um tipo de realidade que não<br />

se deixa comover pelas virtudes culturais<br />

atribuídas ao signo feminino.<br />

Nesse território simbólico interpretado<br />

como sórdido, violento, insensível<br />

e, por tudo isso, masculino, parece só<br />

haver lugar para a disputa entre os<br />

destemi<strong>dos</strong> ‘mocinhos’, que integram<br />

o ‘bonde do bem’ e os ‘bandi<strong>dos</strong>’ e<br />

desregra<strong>dos</strong>, que compõem o ‘bonde<br />

do mal’. Esse tipo de gramática<br />

<strong>dos</strong> papéis de gênero, em boa medida<br />

conservadora e estereotipada,<br />

encontra-se disseminada no interior<br />

da tropa. Dela resulta o discurso que<br />

pressupõe a inadequação das mulheres<br />

para as tarefas de policiamento<br />

e prescreve para elas outros tipos de<br />

serviços, quase sempre burocráticos<br />

e muito distantes das atividades de<br />

rua” (Muniz, apud Soares e Musumeci,<br />

2005, p. 87).<br />

Gestão & Regionalidade - N o 13 - 2 o Semestre 2005<br />

Para esta autora, essa ideologia<br />

estabelece um enfraquecimento da qualidade<br />

de “ser policial” entre os que estão<br />

aptos ao confronto e os que se dedicam a<br />

prevenir, proteger e mediar, quer sejam<br />

mulheres ou homens. O policiamento comunitário,<br />

por exemplo, é visto, muitas vezes,<br />

como espúria “feminização” do trabalho,<br />

como atividade cosmética, despida da<br />

virilidade própria da profissão, não raro os<br />

estereótipos de gênero são explicitamente<br />

aciona<strong>dos</strong> na resistência interna a essas e<br />

outras inovações.<br />

Se o relacionamento entre servidores<br />

homens e mulheres vem sendo marcado<br />

pela discriminação de gênero, que<br />

encontra en<strong>dos</strong>so numa mentalidade tradicionalmente<br />

machista por parte <strong>dos</strong> guardas,<br />

no relacionamento entre as mulheres<br />

também se evidencia a mesma mentalidade,<br />

contudo marcada por comportamentos<br />

ciumentos, competitivos, desagregadores,<br />

oriun<strong>dos</strong>, em especial das guardas mais antigas<br />

da corporação:<br />

“Nosso relacionamento em geral é<br />

bom, mas existe certa discriminação<br />

das mais antigas com as mais novas”<br />

(Lourenço Rosseti, 25 anos, três anos<br />

de corporação).<br />

(...) Apesar da hostilidade de alguns<br />

guardas masculinos, prefiro trabalhar<br />

com eles, as mulheres guardas são muito<br />

melindrosas, querem espaço” (Paula,<br />

32 anos, três anos de corporação).<br />

(...) As GCMFs são muito competitivas<br />

e, devido a isso, geram muitos atritos.<br />

Muitas vezes, o rostinho mais bonito<br />

é o que prevalece e não o profissionalismo”<br />

(Guerra, 38 anos, quatro<br />

anos de corporação).<br />

De to<strong>dos</strong> estes relatos, pode-se, em<br />

uma primeira análise, concluir que, não havendo<br />

política institucional de gênero, nem<br />

um ideal defendido especificamente pelas<br />

mulheres, por meio de mecanismo de afirmação<br />

coletiva de identidade, a imagem da<br />

GCMFs torna-se imprecisa, individualizada<br />

e sujeita também a avaliações individuais,<br />

baseadas na experiência empírica, quase<br />

sempre mediada por pré-noções, idealizações<br />

ou mecanismos de resistência.<br />

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