INTRODUÇÃO Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos ... - USCS
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“Se tivéssemos que definir dois extremos<br />
entre os quais oscilam essas avaliações,<br />
o primeiro seria o en<strong>dos</strong>so puro<br />
e simples <strong>dos</strong> estereótipos de gênero,<br />
como em alguns trechos de entrevistas<br />
já cita<strong>dos</strong> anteriormente, que destinam<br />
à mulher um lugar “natural” nos serviços<br />
internos, e o outro seria a negação<br />
pura e simples de qualquer diferença”<br />
(Soares e Musumeci, 2005, p.111).<br />
Questionou-se também as entrevistadas<br />
sobre a ampliação <strong>dos</strong> poderes<br />
das GCMs. Pelas respostas, entende-se que<br />
as guardas civis femininas não visualizam<br />
claramente essa ampliação de poderes e,<br />
se de fato isso ocorrer, deverá haver restrições<br />
de poderes. No entanto, são mais<br />
contundentes ao afirmar a quase impossibilidade<br />
disso ocorrer, pois a Polícia Militar<br />
não permitirá tal ampliação:<br />
“Existe um empecilho muito grande<br />
que é a Polícia Militar, e de quem vai<br />
controlar esse poder para que não<br />
fuja das rédeas do Estado” (Maria, 43<br />
anos, quatro anos de corporação).<br />
Da análise do I Seminário Regional<br />
das Guardas Municipais Femininas, realizado<br />
em 28 de novembro de 2003, que<br />
teve como objetivo avaliar a participação<br />
feminina nos quadros da política de segurança<br />
local, pôde-se verificar que a indefinição<br />
acerca do papel constitucional<br />
<strong>dos</strong> Guardas Civis Municipais evidenciouse<br />
de forma mais aguda quando voltada<br />
para o papel da mulher nessa instituição<br />
e do difícil relacionamento entre homens<br />
e mulheres numa corporação histórica e<br />
tradicionalmente organizada em torno<br />
das características masculinas. O cotidiano<br />
de trabalho dessas mulheres é regido pelas<br />
relações de gênero que se estabelecem<br />
entre os guardas e com seus comandantes.<br />
Se a atuação da GCM na cidade já impõe<br />
uma discussão acerca da gestão municipal<br />
de segurança pública, a atuação da GCMF<br />
polemiza ainda mais a discussão e permite<br />
resgatar práticas de trabalho policial ainda<br />
mais violentas e discriminadoras.<br />
É importante lembrar que a polícia<br />
brasileira seguiu o modelo político de<br />
organização policial presente na França e<br />
em Portugal, estes não estão a serviço do<br />
0 ARTIGO<br />
público, mas do Estado e <strong>dos</strong> grupos dominantes,<br />
no sentido de fortalecer o uso<br />
privado da violência contra a sociedade,<br />
vigiando para que qualquer ameaça considerada<br />
subversiva ao poder público fosse<br />
contida pela força da opressão (Paixão,<br />
1991). A conseqüência desse modelo de policia<br />
gerou no Brasil a desconfiança recíproca<br />
entre policiais e cidadãos. A reação do<br />
cidadão comum frente à polícia soma-se ao<br />
sentimento de medo, mesmo por pessoas<br />
que, em princípio, nada teriam a temer.<br />
A própria formação praticada<br />
nas escolas da Polícia Militar, encontramse<br />
alicerçadas na ideologia do exército,<br />
reproduzindo em sua organização as<br />
mesmas existentes no Exército Brasileiro,<br />
segundo os princípios de território a ser<br />
atacado ou defendido.<br />
Coronel Carlos Alberto de Camargo,<br />
ex-comandante geral da Polícia Militar<br />
do Estado de São Paulo, em seu livro Estética<br />
Militar (1997), defende que os militares<br />
constituem uma instituição separada do<br />
povo, destinada a corrigi-lo e a pôr ordem<br />
na vida coletiva. Como se nota:<br />
“Nas instituições policiais brasileiras<br />
ainda prevalece a cultura policial tradicional<br />
de viés “bélico”, com foco<br />
quase exclusivo na ação reativa e repressiva,<br />
com baixíssimo investimento<br />
em inteligência, pouco ou nenhum<br />
treinamento <strong>dos</strong> agentes de ponta<br />
em técnicas de mediação de conflitos,<br />
nenhuma ênfase no uso comedido<br />
da força e da autoridade, pouca<br />
ou nenhuma preocupação com a legalidade<br />
e a legitimidade do trabalho<br />
de polícia” (Soares e Musumeci,<br />
2005, p. 82).<br />
Nesse contexto, as atividades cotidianas<br />
de preservação da ordem pública,<br />
não gozam do mesmo status que as<br />
ações repressivas.<br />
Pode-se deduzir daí a enorme dificuldade<br />
que as mulheres ainda terão de<br />
enfrentar para se afirmarem como policiais<br />
ou guardas, uma vez que lhes coube<br />
a tarefa de prevenir, cuidar e orientar, sem<br />
que essa tarefa fosse assumida institucionalmente<br />
como referência de um novo modelo<br />
de polícia e policiamento.