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Parece um texto do Namora, este momento da história. Não conheci aquele<br />
Costa e Silva, mas foi-me concedido o privilégio de lhe percorrer as estantes.<br />
Confesso-me impressionado.<br />
Quanto à aparente humildade, Salazar, em todo o caso, jamais usou a expressão<br />
”os meus ministros”, jamais teve a imodéstia de usar expressão que é apanágio<br />
do Rei. Comedimento estimável. Já de Cavaco se não dirá o mesmo neste<br />
detalhe. Salazar também nunca colocou na posição funcional do António Ferro,<br />
um homem a dizer que gostava do concerto de violino jamais composto por<br />
Chopin … Há sempre pior, não é?<br />
A experiência escolar de Salazar é perfeitamente arrepiante – ao menos para<br />
quem a teve completamente diversa – e o modo como ele a olha, confrange.<br />
Pobre tipo. Francisco Cunha Leal (instrutor leal e com clara noção da delicadeza<br />
das questões no interessante episódio da sindicância republicana à<br />
Universidade de Coimbra, aliás concluída sem retaliações, demissões ou mais<br />
processos) não deixou de notar o disparate da publicação em panfleto das<br />
respostas de Salazar. Cita o papel e ninguém mais o fez, tanto quanto vi<br />
(Memórias, III, pág. 171). Dizia aquilo: “Devo àquela casa (o seminário de<br />
Viseu) grande parte da minha educação que de outro modo não faria; e ainda<br />
que houvesse perdido a fé em que lá me educaram não esqueceria nunca aqueles<br />
bons padres que me sustentaram quase gratuitamente durante tantos anos<br />
(…)”.<br />
É de registar a confissão da perda de Fé. E a correspondente utilização da<br />
minúscula. Aquilo, portanto, foi papismo para consumo e utilidade<br />
organizacional do regime, com a activa conivência da hierarquia respectiva. Em<br />
conjunto produziram um chorrilho repulsivo. O amoralismo testemunhado por<br />
Cunha Leal quanto a Quirino (consultor tutelar dos primeiros anos e homem de<br />
grande confiança dos clericalistas) terá pois transbordado em espantosa<br />
hipocrisia quanto aos sentimentos religiosos alheios, ao apelo permanente a eles<br />
e à sua constante utilização política. A anuência da hierarquia papista a uma tal<br />
utilização dos sentimentos religiosos é, como bem se sabe, universal. Não<br />
acredito em diferenças significativas entre o Cónego Melo de Braga - cuja figura<br />
espectral será sempre lembrada quando se falar de um homicídio por julgar - e<br />
Monsenhor Tortolo vigário castrense a exortar aos “voos da morte” na<br />
Argentina (entre centenas de outras figuras, todas sinistras, desde o cardeal<br />
Stepinac ao cardeal Pla, não esquecendo o pedoclasta Groer de Viena). Pla e<br />
Stepinac são a geração de Cerejeira. Mas quanto a este deve reconhecer-se o<br />
mérito moral de ter sabido não ir tão longe.<br />
Imagine-se agora o problema prático de uma concepção de “programa<br />
educativo”, não falando já da “disciplina escolar”, arrancando destas<br />
coordenadas. E o estado em que disso tem saído quem não pôde dispor de mais<br />
referências.<br />
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