12.06.2013 Views

LEIA AQUI

LEIA AQUI

LEIA AQUI

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Nestas como noutras coisas, revela-se, com frequência, a circunstância pessoal<br />

da vendedeira da banca de legumes. O técnico interrogado tende a sentir-se<br />

“desconsiderado” (imagine-se), “achincalhado” (que surpresa), refugia-se na<br />

curiosa ideia do hermetismo legítimo de acordo com a qual não teria de<br />

“explicar” “noções” “científicas” a um advogado… (Deus nos dê paciência). O<br />

juiz tenderá então a intervir… E nada faz supor que intervenha bem.<br />

A estrutura reaccional faz lembrar o caso da mulher da Ribeira com quem um<br />

estudante já ensonado pela estroina se desentendeu. O rapaz esgotou<br />

rapidamente o miserável léxico disponível na matéria em debate (dera um<br />

chuto acidental em algum sítio ou coisa, que não era para chutar; e a língua da<br />

mulher ia-o matando de susto)… O teorema de Pitágoras veio mesmo a calhar:<br />

–“sua hipotenusa”, portanto. Drama memorável. Êxito notório. Aquilo soou<br />

realmente mal à mulher. Ficou para morrer. E sendo certo que não fazia ideia<br />

do que pudesse ser quanto tinha ouvido, devia ser coisa péssima. Ninguém lhe<br />

tinha nunca chamado aquilo. Logo a ela, uma mulher honesta. Mulher que não<br />

se metia com ninguém. Mulher de trabalho. Tentou até repetir, mas a língua<br />

enrolava-se-lhe, fosse pelo comprimento ou pela comoção. “Hipotenuso”, não<br />

lhe saía. Sentiu-se perdida, sem encontrar equivalente, sem conseguir sequer<br />

repetir, apelou à solidariedade das comadres, vizinhas e fregueses, mantendo<br />

ainda a gritaria: - “Óviram? Óviram?”… - “Nunca na minha vida me chamaram<br />

uma coisa assim!...” (Imagino que não). Sustida a sinistra avalanche e salva a<br />

honra, o rapaz pôde, enfim, ir ao chocolate quente. Era esse o objectivo de uma<br />

ida de estudante à Ribeira.<br />

Voltemos pois às nossas preocupações. Boa parte dos problemas podem<br />

eventualmente explicar-se em alguma medida por isto. Tudo se passa como se<br />

lhes não saísse também o “hipotenuso”. Logo, sai processo criminal…<br />

vagamente correspondente àquele apelo às comadres. Elas acorrem, claro,<br />

solícitas e curiosas. Isto se saldando numa decantada expressão do “hades ver”,<br />

em boa parte dos casos, para não dizer em quase todos.<br />

O tom, a ironia e o sarcasmo<br />

Mas sendo o tom a ironia e o sarcasmo tão visados, seja quanto à intervenção de<br />

advogados, seja quanto à de jornalistas, conviria dedicar-lhes algumas linhas de<br />

alguma atenção, mesmo depois das recomendações de Cícero e Aristóteles.<br />

O tom é talvez o mais simples, tratando-se, como se trata de uma decorrência<br />

natural do tema - Buffon notava-o quando, em fim de vida, se dirigia aos<br />

Imortais. O tom é a expressão da fidelidade ao tema. Vai assumindo os matizes<br />

da exposição. Quem aceite a incumbência de perseguir ou retaliar sobre um<br />

texto fica especialmente contrariado com o tom. Percebo. Não é facilmente<br />

agarrável. E não serei eu quem vai ajudar em tal tarefa.<br />

86

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!