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Parece-me pois que a Liberdade não anda longe da Justiça no sentido em que<br />
tal como a Justiça e a Prudência, a Liberdade se perfila também como uma<br />
virtude e uma aptidão, valor vivido, incarnado, co-natural à bravura. Os latinos,<br />
dizia Hertzen, no Passado e Pensamentos, não conseguem ser fiéis à Liberdade.<br />
Muitas vezes não o foram, é verdade. O próprio Proudhom não o foi. Sim, estou<br />
de acordo com a repugnância de Hertzen diante do conceito, quase<br />
penitenciário, de família e comunidade sobre o qual aquele velho combatente<br />
quis fazer repousar a sua alternativa… Só um exorcismo responderia<br />
adequadamente àquilo, realmente. Mas isto demonstra, segundo tudo indica,<br />
que a Liberdade tem de traduzir-se numa virtude. Não basta como objecto de<br />
paixão onde nos apegamos mais a um estado de espírito nosso que a qualquer<br />
outra coisa, ou pessoa, a servir-lhe de pretexto. Estar apaixonado pela<br />
Liberdade não basta. Amá-la será seguramente e já alguma coisa. Ainda assim é<br />
talvez exigível um pouco mais. Como a Justiça é virtude do homem justo. Como<br />
a Prudência é virtude do homem prudente. A Liberdade é virtude do homem<br />
livre. Uma tal perspectiva facilita certamente muitas coisas. A fidelidade à<br />
Liberdade, como à Justiça, como à Prudência, é então fidelidade a si próprio.<br />
Não há dúvida: facilita muito, muitas coisas. E complicará muitíssimo, estou<br />
certo, muitíssimas outras. (Mas todas menores, em bom rigor).<br />
Honra e Liberdade<br />
Onde se argua oposição entre a honra e a Liberdade, aí está um problema sério.<br />
A honra é expressão da Liberdade própria. Traduz opções éticas na conduta<br />
pessoal. A liberdade como expressão da honra, é a lógica da licença, ou seja, a<br />
do privilégio. Liberdade menor, portanto. Honra apoucada, por consequência.<br />
Trata-se aqui das “honras”. Fragmentárias. Insubsistentes. É um tanto aquele<br />
papel reservado em heráldica aos panejamentos (em heráldica chamam-se,<br />
justamente, “panejamentos ou honras”). “Mariquices”, em síntese, como<br />
concluiu o heraldista que me explicou tal coisa quando eu era miúdo – “se<br />
tirares dali o campo, é uma moldura vazia... Percebeste?”<br />
Quem parta da honra abstracta como referência para julgar a liberdade de<br />
outro, parte de um erro no qual prescindiu já de qualquer possibilidade de<br />
correcção. É uma prática constante nas decisões dos tribunais locais. Letal para<br />
as Liberdade Civis, (para usar a terminologia anglo-saxónica) A honra é sempre<br />
condicional. Sempre concreta. Assim a legou a Cultura Clássica. Assim tem sido<br />
actualizada e bem actualizada. S. Isidoro de Sevilha remete-a para a<br />
honestidade. “Honestus, quod nihil habeat turpitudinis. Nam quid est honestas<br />
nisi honor perpetuus, id est quasi honoris status? » (Etym, X, ad litt H). A<br />
honestidade é posse perpétua da honra. E a honra reflecte aqui a fidelidade<br />
livre à Justiça. Em Tomás de Aquino não há grandes divergências, aliás ele<br />
socorre-se a par e passo do Etymologiarum, tantas ou mais vezes que das obras<br />
do Estagirita libertadas pelas bibliotecas de Toledo.<br />
É preciso ser honesto para invocar a honestidade. Mas não é preciso sê-lo para<br />
invocar a Dignidade de Homem. Tudo está aqui. Não se pode proteger a<br />
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