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combate onde, ao longo dos séculos, a inteligência foi invariavelmente vencida,<br />
concordo, mas nisto emerge como nota especialmente sinistra a regra dos<br />
vencedores aqui blasonarem, como cultura própria, quanto fizeram os vencidos<br />
(e perseguidos, insultados, às vezes, até presos). Pretensiosos.<br />
São todavia os vencidos quem apaixona os universitários de Moscovo a<br />
Bucuresti e Constantza, onde cintilam Departamentos Universitários de Cultura<br />
Portuguesa, maior parte dos quais sem qualquer apoio, conhecimento,<br />
reconhecimento ou consideração do cadaveroso, que aqueles universitários<br />
aliás têm dispensado, dispensam e devem dispensar. (Em todo o caso, há em<br />
Bucuresti um leitor de português que podia perfeitamente não existir. Tudo<br />
melhoraria). São os vencidos quem está nos escaparates das livrarias de Madrid<br />
a Moscovo, passando por Paris, ilustrando esta dolorosa realidade de serem os<br />
vencidos quem assegura a produção cultural disponível com a qual o<br />
cadaveroso se pavoneia e se faz crível.<br />
E a coisa parece tão natural… Mesmo em vida estas vítimas aceitam tal<br />
perspectiva, não com resignação mas com orgulho. Recordo Saramago, diante<br />
do espécimen que lhe censurou uma obra, a dizer que muito depois de tal<br />
criatura desaparecer (desaparecimento ainda não logrado, porventura graças ao<br />
talento do inteligente advogado Raul Soares da Veiga no caso Moderna…)<br />
mesmo depois de tal desaparecimento, dizia Saramago – “eu continuarei a<br />
representar este país”. Claro que sim, bastando para isso querer fazê-lo.<br />
Não obstante e sem pretender tocar, sequer de longe, em questões de<br />
consciência alheia, a generosidade parece excessiva. “Este país” é representado<br />
pelas suas próprias escolhas ou consentimentos. Por aqueles a quem se rende.<br />
No caso, é injusto conceder-lhe a credibilidade da inteligência cuja derrota<br />
consentiu, cuja proscrição concedeu, a cujo sacrifício assistiu sem<br />
estremecimento visível. A glória dos frutos da Liberdade de Palavra é dos<br />
públicos e terras que a acolhem, protegem e amam.<br />
Convém apontar já no plano institucional – sem acrimónia, mas sem<br />
indulgência – que os textos produzidos a propósito da Liberdade de Palavra<br />
pelos organismos da Ordem dos Advogados locais (à excepção dos congressos)<br />
são meras minutas, vagamente escolares pelo tom – a fazerem até e muitas<br />
vezes lembrar redacções infantis – coisas de uma mediocridade larvar, vulgar<br />
resultado da acção das escolas locais nas pobres crianças do território.<br />
Examinaremos mais de perto esta situação, a prática e a sua contradição com a<br />
norma, o resultado e os interesses que pode servir, a “doutrina” e sua<br />
contradição com os consensos civilizacionais.<br />
Mas, é preciso dizê-lo, a produção jurisprudencial do território está também<br />
longe de nos prestar socorro (tendo produzido vasto e trágico anedotário na<br />
matéria). Há a registar, na última vez que para isso olhei, apenas duas obras<br />
doutrinárias de relevo e produção universitária recente (uma das quais é causa<br />
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