Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Já Rolão Preto pôde escrever “o catedrático não pensa, adopta” (diagnóstico<br />
genialmente divertido deixado numa linha da Traição Burguesa). É uma espécie<br />
de contraponto ao lamento de Mircea Eliade. Escrito mais ou menos na mesma<br />
época. Mas se isso era assim nos anos quarenta, depois disso ter-se-ia de<br />
proceder a uma ligeira adaptação na conjugação verbal… Gente houve a viver<br />
décadas com a mesma sebenta e inalterada. O catedrático, com efeito, já ali não<br />
adopta. Adoptou, em tempos idos.<br />
Para facilitar as coisas, Salazar procederá a uma “varridela” (um “saneamento”,<br />
traduzido em boa verdade numa infestação) do Ensino Universitário, com o<br />
afastamento de professores dos quais se lembra ainda e bem o nome do<br />
primeiro: Pulido Valente. (Aquilino opõe-se, as gentes formadas na liberalidade<br />
intelectual escandalizam-se – um avô meu até se deslocou a Lisboa para<br />
expressar a sua solidariedade de viva voz a Pulido Valente - mas Salazar fez<br />
quanto quis, em nada relevando qualquer discordância alheia). Em 1935 fora já<br />
varrido Abel Salazar (nem mais nem menos), largando-se em complemento<br />
uma razia nos liceus. Um ensaio. Em 50 estava consumado o afastamento de<br />
Pulido Valente, Barbosa de Magalhães, Fernando da Fonseca, Adelino Costa,<br />
Cascão de Ansiães, Oliveira Machado, Dias Amado… Uma rajada de demissões<br />
sem processo. (E mesmo o processo teria sido odioso). A esterilidade viu<br />
garantida a sua segurança. Há claramente um corte na formação intelectual e<br />
universitária. O “positivismo quadrado” impõe-se em Direito, mas nem isso se<br />
quer como posição excessivamente marcada. Colecção de ausências de posição,<br />
o salazarismo salda-se em semi-posições, ou posições mitigadas, que fizeram do<br />
ensino da Filosofia uma anedota, já no secundário.<br />
As nossas Faculdades de Direito serão, portanto, “jus-naturalistas até ao Natal”<br />
(para usar uma expressão coloquial também muito divertida e muitíssimo<br />
ajustada de António Braz Teixeira, esperando eu o perdão por a citar antes<br />
deste meu mestre a escrever) e era assim porque no fim do primeiro trimestre<br />
acabavam as fases introdutórias das leccionações. Não havia portanto nenhuma<br />
perspectiva filosófica estruturante. Tudo aquilo se traduzia nuns mosaicos ou<br />
desordenadamente dispersos naquelas cabeças, imaginariamente colados com a<br />
argamassa da “pragmática”, ou na atitude de quem está muito agarradinho ao<br />
arção de uma “sistemática”, didacticamente útil, mas imprestável para tudo o<br />
mais. Cada um destes fenómenos produziu, em doutrina, o seu tijolo em papel<br />
velho. Cada um destes fenómenos imaginou definitivo o respectivo tijolo.<br />
Consentir uma discussão, extinguiria a escola. “Não discutimos”.<br />
Evidentemente. Nem era preciso repetir…<br />
Mas, vitimados ou não por tal corte, a vida profissional tem um horizonte de<br />
quarenta anos para todos. Quarenta anos que devem contar-se – quanto às<br />
últimas testemunhas da Universidade Liberal - a partir de trinta e seis, a partir<br />
da Guerra Civil de Espanha, marco no processo de construção das posições<br />
20