04.08.2013 Views

Um avião contorna o pé de jatobá e a nuvem de agrotóxico pousa ...

Um avião contorna o pé de jatobá e a nuvem de agrotóxico pousa ...

Um avião contorna o pé de jatobá e a nuvem de agrotóxico pousa ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

114<br />

com as folhas todas perfuradas, e o agricultor compara os efeitos provocados<br />

pelo herbicida a “tiros <strong>de</strong> cartucheira”. Ivo disse que estava cansado <strong>de</strong> reclamar<br />

e <strong>de</strong> pedir providências para as autorida<strong>de</strong>s. Agora ele estava construindo<br />

uma pocilga e pretendia se <strong>de</strong>dicar à criação <strong>de</strong> porcos.<br />

– É fazer isso ou ven<strong>de</strong>r a proprieda<strong>de</strong>, não dá mais para tocar lavoura e<br />

todo ano per<strong>de</strong>r tudo – concluiu.<br />

Do local on<strong>de</strong> estávamos dava para ver a cida<strong>de</strong> ao longe. Enquanto caminhávamos,<br />

Ivo comentava que esse ano as pessoas na cida<strong>de</strong> haviam sentido<br />

o problema porque toda a vegetação ornamental tinha sido atingida. Nesse<br />

momento ele se <strong>de</strong>teve e me perguntou: “E quando eles pulverizam inseticida<br />

no algodão?” Ele mesmo respon<strong>de</strong>u explicando que os efeitos do inseticida, ao<br />

contrário dos herbicidas, não aparecem nas plantas e concluiu seu raciocínio<br />

com outra pergunta: “Mas e nas crianças que ficam sem camisa, brincando na<br />

rua, andam só <strong>de</strong> zorbinha o dia inteiro, o que o inseticida po<strong>de</strong> estar fazendo?”<br />

Visivelmente revoltado, Ivo apanhou no carro álbuns com fotos que<br />

registravam os estragos provocados pelas pulverizações do vizinho nos anos<br />

anteriores. Olhei as fotos e procurei a melhor posição para o Osmar filmá-las.<br />

Eram <strong>de</strong> baixa resolução, mas como havia dito o chacareiro Sérgio Miller no<br />

dia anterior: “A ferramenta <strong>de</strong> trabalho do agricultor é uma enxada, não é uma<br />

máquina fotográfica”. Nas fotos aparecia o <strong>avião</strong> do vizinho pulverizando enquanto<br />

fazia o contorno sobre o melancial.<br />

Da proprieda<strong>de</strong> do Ivo Casonato saímos beirando o Rio Ver<strong>de</strong> até encontrar<br />

um local apropriado para obter imagens. Enquanto Osmar fazia as tomadas<br />

fiquei parado à beira d’água com os olhos fixos. O rio, caudaloso, tinha<br />

águas límpidas, aparentemente puras. Fiquei imaginando o <strong>avião</strong> percorrendo<br />

o trajeto <strong>de</strong>scrito pelo chacareiro – cruzava o rio na ida e na volta com os tanques<br />

abertos. O veneno saindo <strong>de</strong> suas asas e se <strong>de</strong>positando naquelas águas,<br />

na carne dos peixes, no cascalho do fundo, na areia das praias, na pequena e<br />

bela mata ciliar que restava. Olhei para as árvores – exuberante beleza secular.<br />

Fiquei imaginando quantos milhões <strong>de</strong> anos aquele pedaço da natureza <strong>de</strong>morou<br />

para se formar. Para se constituir em tão perfeito equilíbrio. Penso que ele<br />

estava ali, intocado, até há pouco mais <strong>de</strong> 20 anos e <strong>de</strong> repente vem o homem<br />

com suas máquinas e, em algumas horas, <strong>de</strong>strói tudo – com que direito?. Osmar<br />

me chamou. Iríamos visitar os silos das empresas <strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> grãos<br />

localizados na entrada da cida<strong>de</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!