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Um avião contorna o pé de jatobá e a nuvem de agrotóxico pousa ...

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que, naquele momento, estava chovendo em Lucas. Partimos às 5 da manhã.<br />

Nosso vôo <strong>de</strong>moraria pouco mais <strong>de</strong> uma hora.<br />

Aproveitei o tempo para atualizar o Osmar sobre <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> nossa pauta.<br />

De tanto ouvir o Pignati falar em câncer e <strong>agrotóxico</strong>s ele estava ficando<br />

curioso. Aos poucos, ele tomava conhecimento do assunto e da importância<br />

<strong>de</strong> nosso trabalho ao ir para Lucas. Pedi-lhe que trabalhasse com a câmera<br />

em ângulos diversos, que usasse o zoom, enfim, que fosse criativo. Sabia que<br />

estava fazendo uma proposta ousada para um cinegrafista como ele, que há<br />

tantos anos fazia um trabalho restrito à cobertura <strong>de</strong> discursos em solenida<strong>de</strong>s<br />

oficiais, mas mesmo assim procurei passar-lhe confiança <strong>de</strong> que era capaz <strong>de</strong><br />

fazer algo diferente do que estava habituado.<br />

As duas noites praticamente sem dormir começavam a produzir seus<br />

efeitos. A cavida<strong>de</strong> <strong>de</strong> meus olhos doía, pedindo repouso, mas eu sabia que<br />

estava apenas no início <strong>de</strong> nossa jornada. Para espantar o sono comecei a preparar<br />

uma primeira passagem para a TV, que gravaria ainda no <strong>avião</strong>. Pedi<br />

ao Osmar que preparasse a câmera <strong>de</strong> tal maneira que pegasse meu rosto em<br />

contra-plano 113 com a janela e, através <strong>de</strong>la, a asa do <strong>avião</strong>. Abriria em mim e<br />

<strong>de</strong>pois fecharia na asa.<br />

Passei com ele o texto:<br />

– Estamos aterrissando em Lucas do Rio Ver<strong>de</strong>, a 280 quilômetros ao<br />

norte <strong>de</strong> Cuiabá, no estado do Mato Grosso. Há trinta dias uma outra aeronave<br />

fazia este mesmo percurso, só que <strong>de</strong> suas asas caía um po<strong>de</strong>roso veneno que<br />

pulverizou a cida<strong>de</strong> aqui embaixo...<br />

Repassei esse texto várias vezes enquanto o Osmar cronometrava o<br />

tempo conciliando as imagens e orientava meu posicionamento. Estávamos<br />

na cauda do <strong>avião</strong> e o espaço era mínimo. O dia começava a clarear com muita<br />

chuva que caía <strong>de</strong> nuvens pesadas. Voávamos a baixa altitu<strong>de</strong>. Entre uma <strong>nuvem</strong><br />

e outra abriam-se brechas que me permitiam ver a terra. Meu primeiro<br />

susto foi com a cor das águas dos rios tortuosos que circundam extensas lavouras<br />

que se <strong>de</strong>bruçam sobre as barrancas dos rios. Terras aradas, <strong>de</strong>smatadas,<br />

trabalhadas. Terras plantadas e rios vermelhos, águas barrentas que carregam<br />

boa parte da fertilida<strong>de</strong> dos solos antes recobertos <strong>de</strong> matas. Matas mesmo,<br />

agora só existem em algumas encostas e em pequenos vales. Em tudo mais, a<br />

presença do homem é marcante e <strong>de</strong>gradante, ambientalmente falando.<br />

1 Contra-plano – em plano contrário ao do fundo da imagem.

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