De qualquer forma, se, no direito inglês primitivo, havia baixa produção de leis, isso não ocorre nocommon law contemporâneo. A suposição de que, nos Estados Unidos, a produção legislativa do direito ébaixa, o que impõe a sua criação pelos juízes, não só é falsa (eis que calca<strong>da</strong>, ao que parece, emsuposições parti<strong>da</strong>ristas infun<strong>da</strong><strong>da</strong>s), como produz enganos em termos de direito comparado. É provávelque um estado típico dos Estados Unidos tenha tanta legislação quanto um país europeu ou latinoamericano,a qual obviamente deve ser aplica<strong>da</strong> e interpreta<strong>da</strong> pelos juízes. 34Note-se, portanto, que, ain<strong>da</strong> que se possa admitir que o common law, na sua origem inglesa, eracomplementado pelo legislativo, ou que a atuação deste poder era aí pouco intensa, a existência de lei nãose opõe ao common law, ou, mais importante ain<strong>da</strong> e bem mais fácil de ser visualizado, a profusão de leisnão exclui a necessi<strong>da</strong>de de um sistema de precedentes. 35No common law, a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei é superior àquela <strong>da</strong>s decisões judiciais, 36 e não o contrário, oque autoriza dizer que a quanti<strong>da</strong>de de leis e o seu grau de autori<strong>da</strong>de constituem critérios absolutamenteinúteis para distinguir este sistema do de civil law.5. Criação judicial do direito como consequência do stare decisis?Quando se diz que o juiz do common law cria o direito, não se está pensando que a sua decisão tem amesma força e quali<strong>da</strong>de do produto elaborado pelo legislativo, isto é, <strong>da</strong> lei. A decisão não se equipara àlei pelo fato de ter força obrigatória para os demais juízes.Porém, seria possível argumentar que a decisão, por ter força obrigatória, constitui direito. Ocommon law considera o precedente como fonte de direito. 37Note-se, contudo, que, quando um34.Idem, p. 27 e ss.35.Como lembra Antonio Gambaro, a experiência continental europeia concedeu, no século passado, grandeespaço ao direito jurisprudencial, enquanto, do outro lado, uma “orgia di legiferazione” deu forma e vestelegislativa a grande parte <strong>da</strong>s regras do common law clássico (GAMBARO, Antonio. Op. cit., p. 11. VerCALABRESI, Guido. A common law for the age of statutes. Cambridge: Harvard University Press, 1982.36.É o que se pode observar, por exemplo, <strong>da</strong> Supremacy Clause [Cláusula de Supremacia], constante do artigoVI, cláusula 2, <strong>da</strong> Constituição do Estados Unidos <strong>da</strong> América, segundo a qual a Constituição, as LeisFederais e os Tratados realizados sob a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quela nação representam a “Lei Suprema do País”,estando os Juízes de todos os Estados a elas subordinados, restando afasta<strong>da</strong> qualquer determinação emcontrário constante <strong>da</strong> Constituição ou <strong>da</strong>s Leis Estaduais (No original: “This Constitution, and the Laws ofthe United States which shall be made in Pursuance thereof; and all Treaties made, or which shall be made,under the Authority of the United States, shall be the supreme Law of the Land; and the Judges in everyState shall be bound thereby; any Thing in the Constitution or Laws of any State to the Contrarynotwithstanding”). Perde efeito, igualmente, conforme anotação de Caleb Nelson (apud Gary Lawson),qualquer interpretação judicial contrária a tais normas (NELSON, Caleb. Stare decisis and demonstrablyerroneous precedents. Virginia Law Review, vol. 87, mar. 2001, p. 01-79). Não se pode negar, to<strong>da</strong>via, quenem mesmo aquilo que Maltz menciona como supremacy of statutes (supremacia dos direitos legislados) écapaz de estancar, por completo, a doutrina constante dos precedentes anteriores à legislação. Ela continua,sim, exercendo influência, ain<strong>da</strong> que como “um dos vários fatores que influenciam a interpretação judicial<strong>da</strong> norma específica” (No original: “The point is that the mere fact the legislature has acted does not totallyextinguish the influence of prestatutory judge-made law. Instead, legislative action simply changes thedynamic, with preexisting doctrine being one of a number of factors that influence judicial interpretation ofthe relevant statute”) (MALTZ, Earl. The nature of precedent. North Carolina Law Review, vol. 66, p. 367-392, jan. 1988).37.Ao menos, esta é a regra geral. Mary G. Algero (The sources of law and the value of precedent: a comparative andempirical study of a civil law state in a common law nation, Louisiana Law Review, vol. 65, 2005, p. 775-785),
precedente interpreta a lei ou a Constituição, como acontece especialmente nos Estados Unidos, há,evidentemente, direito preexistente com força normativa, de modo que seria absurdo pensar que o juiz,neste caso, cria um direito novo. Na ver<strong>da</strong>de, também no caso em que havia apenas costume, existiadireito preexistente, o direito costumeiro.A circunstância de o precedente ser admitido como fonte de direito está muito longe de constituir umindício de que o juiz cria o direito a partir <strong>da</strong> sua própria vontade. Nesta perspectiva, a força obrigatóriado precedente, ou a admissão do precedente como fonte de direito, não significa que o judiciário tempoder para criar o direito.6. Ver<strong>da</strong>deiro significado <strong>da</strong> law-making authorityO que permite dizer que o juiz do common law cria o direito é a comparação do seu papel com o dojuiz <strong>da</strong> tradição do civil law, cuja função se limitava à mecânica aplicação <strong>da</strong> lei. Neste sistema, quandose dizia que ao juiz cabia apenas expressar as palavras dita<strong>da</strong>s pelo legislador, o direito era concebidounicamente como lei. A tarefa do judiciário se resumia à aplicação <strong>da</strong>s normas gerais.O juiz inglês não apenas teve espaço para densificar o common law, como também oportuni<strong>da</strong>de de,a partir dele, controlar a legitimi<strong>da</strong>de dos atos estatais. Neste sentido, Edward Coke – cujo papel foi muitoimportante, ain<strong>da</strong> que em nível doutrinário, para a contenção do arbítrio do rei – decidiu no célebre casoBonham, por volta de 1610, que as leis estão submeti<strong>da</strong>s a um direito superior, o common law, e, quandoisto não acontecer, vale dizer, quando não respeitarem este direito, são elas nulas e destituí<strong>da</strong>s de eficácia.Disse Coke, nesta ocasião, que, “em muitos casos, o common law controlará os atos do Parlamento, ealgumas vezes os julgará absolutamente nulos: visto que, quando um ato do Parlamento for contrário aalgum direito ou razão comum, ou repugnante, ou impossível de ser aplicado, o common law irá controlálose julgá-los como sendo nulos”. 38Esclareça-se que, apesar <strong>da</strong> decisão de Coke estar vincula<strong>da</strong> à teoria declaratória <strong>da</strong> jurisdição, e nãoà teoria que afirma a law-making authority – a teoria constitutiva –, a sua lembrança é pertinente parademonstrar que o juiz do common law realizava espécie de controle dos atos do Parlamento. Vê-se, nadecisão proferi<strong>da</strong> no caso Bonham, o primeiro germe do controle <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis, e, assim,é possível <strong>da</strong>í também extrair a noção de que o poder judicial, no common law primitivo, era exercidomediante uma lógica semelhante à que dirige a atuação do juiz submetido à Constituição e aos direitosfun<strong>da</strong>mentais. 39cita<strong>da</strong> por Jor<strong>da</strong>n Wilder Connors, assinala que, com exceção do Estado <strong>da</strong> Louisiana, todos os demaisquarenta e nove Estados que compõem os Estados Unidos <strong>da</strong> América, tal qual o sistema de cortes federais,seguem um modelo próximo àquele operado na Inglaterra no que toca ao stare decisis, o qual toma oprecedente como fonte de direito (No original: “The forty-nine states in the United States, other thanLouisiana, as well as the United States federal court system follow a version of the doctrine of stare decisisthat is similar to the English respect for precedent and its consideration of precedent as a source of Law”)(CONNORS, Jor<strong>da</strong>n Wilder. Treating like subdecisions alike: the scope of stare decisis as applied to judicialmethodology. Columbia Law Review, vol. 108, n. 3, p. 681-715, abr. 2008).38.“E parece que em nossos livros, em muitos casos, o common law controlará os atos do Parlamento, e algumasvezes os julgará absolutamente nulos: visto que, quando um ato do Parlamento for contrário a algum direito ourazão comum, ou repugnante, ou impossível de ser aplicado, o common law irá controlá-lo e julgá-lo comosendo nulo” (No original: “And it appears in our books, that in many cases, the common law will control actsof Parliament, and sometimes adjudge them to be utterly void: for when an act of Parliament is againstcommon right and reason, or repugnant, or impossible to be performed, the common law will control it an<strong>da</strong>djudge such act to be void”) (GROTE, Rainer. Op. cit., p. 2).39.Ver ARGÜELLES, Juan Ramón de Páramo; ROIG, Francisco Javier Ansuátegui. Op. cit., p. 774.
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