claro a seguir –, a supremacia do parlamento objetivou amarrar o juiz ao texto <strong>da</strong> lei, transformando-oem alguém destituído de poder criativo e de imperium.9. A superação do jusnaturalismo racionalista pelo positivismo e as concepções dejudge make law e de juge bouche de la loiSabe-se que a superação do jusnaturalismo racionalista pelo positivismo foi marca<strong>da</strong> pela ideia deque o direito depende <strong>da</strong> vontade. Partindo <strong>da</strong> premissa de que o direito se traduz a partir de uma vontade,os teóricos positivistas do common law não tiveram dificul<strong>da</strong>de para demonstrar que o direito não estavana tradição ou nos costumes do povo – como sustentavam Blackstone e os partidários <strong>da</strong> teoriadeclaratória <strong>da</strong> jurisdição 61 –, mas seria constituído ou criado pela decisão judicial.Assim, enquanto no civil law o declínio do jusnaturalismo racionalista deu origem à era <strong>da</strong>Codificação, no common law observou-se o surgimento <strong>da</strong> ideia de criação judicial do direito. Naquelatradição, diante <strong>da</strong> estrita separação entre o legislativo e o judiciário, a vontade apenas poderia estar noParlamento; to<strong>da</strong>via, no common law, em virtude do espaço de poder bem mais amplo deferido aos juízes,a vontade foi confia<strong>da</strong> ao judiciário. Torna-se importante perceber que a conclusão de que, no civil law, odireito estaria no Parlamento foi coerente – a partir de uma visão estritamente marca<strong>da</strong> pela teoriapositivista – com a ideia de que o juiz não criaria o direito.Note-se que isso não apenas demonstra que o common law confiou e apostou no judiciário, enquantoo civil law escravizou os juízes ao Parlamento, mas também que a superação do jusnaturalismoprocedia principalmente dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong>s decisões judiciais de interpretação do common law. Em todocaso, os direitos legislados [statutes] adotados pelo Parlamento tiveram de ser reforçados pelas Cortes, que,mesmo reconhecendo o seu dever de acatar a vontade do legislador, iriam interpretar as regras positiva<strong>da</strong>s[statutory rules] de acordo com os direitos e liber<strong>da</strong>des protegidos pelos princípios estabelecidos docommon law, a não ser que o Parlamento explicitamente declarasse que pretendia diminuir a importânciadessas liber<strong>da</strong>des” (No original: “On the basis of the constitutional settlement of 1688 legislative power wasvested not an autocratic ruler but in an elected body which meant that the law-making process remainedsubject to the control of the different groups and interests represented in Parliament. Moreover, statutoryenactments played a minor part in the general development of the law which proceeded mainly on the basisof court decisions interpreting the common law. In any case, the statutes adopted by Parliament had to beenforced by the courts which, although acknowledging their duty to defer to the will of the legislature,would construe the statutory rules in accor<strong>da</strong>nce with the rights and liberties protected by the establishedprinciples of the common law unless Parliament explicitly stated that it wished to derogate from thoseliberties”) (GROTE, Rainer. Op. cit., p. 3).61.“Os textos institucionais dos séculos dezessete e dezoito, tais como aqueles de Blackstone na Inglaterra (e, paramuitos propósitos, nos EUA) ou Stair na Escócia, foram de importância decisiva para <strong>da</strong>r ao common law umaforma e substância inteligíveis em favor de socie<strong>da</strong>des em [processos de] rápi<strong>da</strong> modernização ecomercialização. Porém, eles justificaram a citação de precedentes se referindo ao que eles consideravam ser opeso probatório deste, o common law sendo a encarnação para fins locais <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> razão,operacionalizado através dos costumes gerais do Reino. Esta é a teoria declaratória, de acordo com a qual osprecedentes declaram a lei, mas não a fazem” (No original: “Seventeenth-and eighteenth-century institutionalwritings, such as those of Blackstone in England (and, for many purposes, the USA) or Stair in Scotland, weredecisively important in giving the common law an intelligible form and substance for rapidly modernizing andcommercializing societies. But they justified the citation of precedent by reference to what they considered tobe its evidentiary weight, the common law being the embodiment for local purposes of the law of nature andreason, worked out through the general customs of the realm. This is a declaratory theory, according to whichprecedents declare law but do not make it”) (BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, Neil; MORAWSKI, Lech;MIGUEL, Alfonso Ruiz. Rationales for precedent. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpretingprecedents: a comparative study. London: Dartmouth, 1997. p. 481-482).
acionalista pelo positivismo teve efeitos completamente diversos nos dois sistemas, tendo colaborado –certamente que em termos essencialmente teóricos – para a formação <strong>da</strong>s concepções antagônicas de jugebouche de la loi (juiz boca-de-lei) e de jugde make law (juiz legislador).Lembre-se, para tanto, que a admissão <strong>da</strong> tese de que o juiz cria o direito teve fun<strong>da</strong>mento nadoutrina positivista de Bentham, que não podia enxergar na decisão judicial a declaração de um direitopreexistente fun<strong>da</strong>do na natureza e na razão <strong>da</strong>s coisas, mas apenas a criação do direito.Neste sentido, para distinguir os sistemas, mesmo em suas origens, não basta falar que em um o juizcria o direito e no outro declara a lei, sendo imprescindível compreender que somente no common law ojuiz mereceu confiança e espaço na esfera de poder e que a afirmação de que o “juiz cria o direito”constitui um slogan de uma <strong>da</strong>s vertentes doutrinárias que se apresentaram neste sistema jurídico.Aliás, no que diz respeito a este último ponto, é bom rememorar que, no common law, ain<strong>da</strong> sediscute a respeito <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> jurisdição, se declaratória ou constitutiva. Tal questão foi objeto derecente e importante debate entre Herbert Hart 62 – que sustenta o papel criativo <strong>da</strong> jurisdição – e RonaldDworkin 63 – que o nega. Na ver<strong>da</strong>de, Dworkin é um dos integrantes de um poderoso e crescente núcleode pensamento engajado em negar a natureza positivista do precedente e em propor uma visão“interpretativista” para se compreender o common law, com a consequente reinserção no debate <strong>da</strong> teoriadeclaratória <strong>da</strong> jurisdição, ain<strong>da</strong> que, obviamente, sob uma roupagem contemporânea. 6410. O juiz como “bouche de la loi”Antes <strong>da</strong> Revolução Francesa, os membros do judiciário francês constituíam classe aristocrática nãoapenas sem qualquer compromisso com os valores <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> fraterni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de –mantinham laços visíveis e espúrios com outras classes privilegia<strong>da</strong>s, especialmente com a aristocraciafeu<strong>da</strong>l, em cujo nome atuavam sob as togas. Nesta época, os cargos judiciais eram comprados e her<strong>da</strong>dos,o que fazia supor que o cargo de magistrado deveria ser usufruído como uma proprie<strong>da</strong>de particular,capaz de render frutos pessoais. 65Os juízes pré-revolucionários se negavam a aplicar a legislação que era contrária aos interessesdos seus protegidos e interpretavam as novas leis de modo a manter o status quo e a não permitir que asintenções progressistas dos seus elaboradores fossem atingi<strong>da</strong>s. Não havia qualquer isenção para“julgar”.62.HART, Herbert L. A. The concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1993 (esp. Formalism and rule-scepticism ePostscrip).63.DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978 (esp. The model of rules eHard cases); e Law’s empire. Cambridge: Harvard University Press, 1978.64.Ver BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, Neil; MORAWSKI, Lech; MIGUEL, Alfonso Ruiz. Op. cit., p. 485.65.Lembre-se que Montesquieu, ao elaborar a tese de que não poderia haver liber<strong>da</strong>de caso o “poder de julgar” nãoestivesse separado dos poderes legislativo e executivo, partiu <strong>da</strong> sua própria experiência pessoal, pois conheciamuito bem os juízes <strong>da</strong> sua época. Montesquieu nasceu Charles-Louis de Secon<strong>da</strong>t em uma família demagistrados, tendo her<strong>da</strong>do do seu tio não apenas o cargo de Président à mortier no Parlement de Bordeaux,como o nome “Montesquieu”. O jovem Montesquieu, sem se deixar seduzir pelas facili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> sua posiçãosocial, renunciou ao cargo de magistrado e teve a coragem de denunciar as relações espúrias dos juízes com opoder, idealizando a teoria <strong>da</strong> separação dos poderes (ver CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? Aexpansão e a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> justiça constitucional. Revista <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> UFRGS, vol. 20, p.269).
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