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Luiz Guilherme Marinoni - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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Algo similar aconteceu no direito prussiano. O célebre Código Prussiano (Allgemeines Landrecht fürdie Preußischen Staaten), elaborado por Federico II, o Grande, em 1793, continha mais de 17.000 artigos,revelando o intento de regular to<strong>da</strong>s as situações fáticas, por mais específicas que fossem. Do mesmomodo que o Código Napoleão – que tinha 2.281 artigos –, o objetivo de Federico foi o de fazer um direitoà prova de juízes. 79 O primeiro rei <strong>da</strong> Prússia não se deu por contente com os 17.000 artigos do seuCódigo, tendo também proibido os juízes de interpretá-los, e, na mesma sen<strong>da</strong> <strong>da</strong> Lei RevolucionáriaFrancesa de 1790, criou uma comissão legislativa a quem os juízes tinham o dever de recorrer em casosde dúvi<strong>da</strong> sobre a aplicação de uma norma. O juiz que caísse na tentação de interpretar o Código incidiriana “grande ira” de Federico e sofreria severo castigo. 80Ain<strong>da</strong> mais interessante, para o nosso propósito, é a história <strong>da</strong> Corte de Cassação francesa. Estetribunal também foi instituído em 1790, com o nítido objetivo de limitar o poder judicial mediante acassação <strong>da</strong>s decisões que destoassem do direito criado pelo parlamento. 81 É possível dizer que a Cassationfoi instituí<strong>da</strong> como uma válvula de escape contra a aplicação incorreta <strong>da</strong> lei e a não apresentação do caso àinterpretação autoriza<strong>da</strong> do legislativo. Porém, talvez já se vislumbrasse a dificul<strong>da</strong>de prática em se exigirdos juízes a exposição <strong>da</strong>s suas dúvi<strong>da</strong>s ao legislativo, bem como o trabalho excessivo e praticamenteinviável que seria submetido aos legisladores caso to<strong>da</strong>s as dificul<strong>da</strong>des interpretativas lhes fossemanuncia<strong>da</strong>s. 82Embora chamado de Corte, esse órgão não fazia parte do Poder Judiciário, constituindo instrumentodestinado a proteger a supremacia <strong>da</strong> lei. Esta primeira natureza – não jurisdicional – <strong>da</strong> Cassação eracompatível com a sua função de apenas cassar ou anular as decisões judiciais que dessem à lei sentidoindesejado. Sem obrigar o juiz a requerer a devi<strong>da</strong> interpretação, impedia-se que as decisões que não selimitassem a aplicar a lei tivessem efeitos. Em vez de se utilizar o instrumento <strong>da</strong> “consulta interpretativaautoriza<strong>da</strong>”, preferia-se algo mais factível, isto é, cassar a interpretação equivoca<strong>da</strong>.Frise-se que a Cour de Cassation foi instituí<strong>da</strong> unicamente para cassar a interpretação incorreta, enão para estabelecer a interpretação correta ou para decidir em substituição à decisão prolata<strong>da</strong> pelo juizordinário. Lembre-se que ela não era sequer considera<strong>da</strong> um órgão jurisdicional e, por isso mesmo, nãopodia decidir. Dessa forma, a Cassation não se sobrepunha ao órgão judicial ordinário por ter o poder deproferir a última decisão, mas sim por ter o poder para afirmar como a lei não deveria ser interpreta<strong>da</strong>.O tempo fez sentir que o momento para afirmar como a lei não deveria ser interpreta<strong>da</strong> também seriaoportuno para afirmar como a lei deveria ser interpreta<strong>da</strong>. Ou seja, a história mostra que a Cassação, deórgão destinado a simplesmente anular a interpretação erra<strong>da</strong>, passou a órgão de definição <strong>da</strong>interpretação correta. Tal evolução igualmente obrigou à mutação <strong>da</strong> feição do órgão estatal, que assumiua natureza jurisdicional, de órgão incumbido de participar do processo de produção de decisões judiciais.79.MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. Op. cit., p. 39.80.Idem. Ver, ain<strong>da</strong>: MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil – Pressupostos sociais, lógicos e éticos. SãoPaulo: Ed. RT, 2009. p. 70-71; TARELLO, Giovanni. Op. cit., p. 488; DAMASKA, Mirjan. The faces of justiceand state authority. New Haven: Yale University Press, 1986. p. 63. A respeito do direito processual civilprussiano desta época, ver ENGELMANN, Arthur. Modern continental procedure. A history of continental civilprocedure. New York: Kelley, 1969. p. 590 e ss.81.Ver CALAMANDREI, Piero. La cassazione civile – I. Storia e legislazione. Torino: Fratelli Bocca, 1920. p. 426 ess.; TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo – Saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 29 ess.82.MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. Op. cit., p. 39 e ss.

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