Luiz Guilherme Marinoni - Tribunal Regional Federal da 4ª Região
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possibili<strong>da</strong>de de arbítrio do juiz. 121 Medindo-se o poder de atuação do juiz pela lei, eram garanti<strong>da</strong>s asformas mediante as quais a ativi<strong>da</strong>de jurisdicional poderia ser exerci<strong>da</strong>. Deste modo, garantia-se aolitigante que o juiz não ultrapassaria os limites <strong>da</strong>s formas processuais, inclusive dos meios executivostipificados na lei. Havia, então, níti<strong>da</strong> relação entre a lei, a liber<strong>da</strong>de e a contenção do poder judicial.Porém, o passar do tempo mostrou a necessi<strong>da</strong>de de munir os litigantes e o juiz de uma maiorlatitude de poder, seja para permitir que os jurisdicionados pudessem utilizar o processo de acordo com asnovas situações de direito material e com as reali<strong>da</strong>des concretas, seja para <strong>da</strong>r ao magistrado a efetivapossibili<strong>da</strong>de de tutelá-las. Esta necessi<strong>da</strong>de levou o legislador não só a criar uma série de institutosdependentes do preenchimento de conceitos indeterminados – como a tutela antecipatória fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em“abuso de direito de defesa” (art. 273, II, CPC) –, admitindo o seu uso na generali<strong>da</strong>de dos casos, mastambém a fixar normas processuais abertas, como a do art. 461 do CPC, que permite a construção domodelo processual adequado à natureza <strong>da</strong> tutela específica almeja<strong>da</strong>.Essas regras se fun<strong>da</strong>m na compreensão <strong>da</strong> ideia de que a lei não pode vincular as técnicasprocessuais às necessi<strong>da</strong>des de direito material nem desenhar tantos procedimentos quantas forem assituações substanciais carentes de tutela. Além disso, o legislador não pode antever to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong>desde direito material, uma vez que estas não apenas se transformam diariamente, como assumem contornosvariados conforme os casos concretos. Assim sendo, chegou-se naturalmente à necessi<strong>da</strong>de de normasdestina<strong>da</strong>s a <strong>da</strong>r aos jurisdicionados e ao juiz o poder de identificar, a partir de conceito jurídicoindeterminado, quando a técnica processual, já defini<strong>da</strong> na lei, pode ser utiliza<strong>da</strong>, bem como o poder deindividualizar, a partir <strong>da</strong>s circunstâncias do caso, o instrumento processual adequado à tutela do direitomaterial.Nesses casos, a concretização <strong>da</strong> norma deve tomar em conta as necessi<strong>da</strong>des de direito materialrevela<strong>da</strong>s no caso, mas a sua instituição se fun<strong>da</strong> no direito fun<strong>da</strong>mental à tutela jurisdicional efetiva. Olegislador atua porque é ciente de que a jurisdição não pode <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s varia<strong>da</strong>s situações concretassem a outorga de maior poder e mobili<strong>da</strong>de, ficando o autor incumbido <strong>da</strong> identificação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>desconcretas para modelar a ação processual e o juiz investido do poder-dever de, mediante argumentaçãoprópria e expressa na fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> sua decisão, preencher os conceitos jurídicos indeterminados ouindividualizar a técnica processual capaz de lhe permitir a efetiva tutela do direito material.É interessante notar que, nessas hipóteses, o próprio legislador reconhece a sua impotência pararegular to<strong>da</strong>s as situações concretas e, igualmente, o seu dever de permitir a realização de um direitofun<strong>da</strong>mental, no caso, o direito fun<strong>da</strong>mental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5.º, XXXV, CF).De qualquer forma, o que realmente importa neste momento é constatar que o juiz que trabalha comconceitos indeterminados e regras abertas está muito longe <strong>da</strong>quele concebido para unicamente aplicar a lei.Aliás, os próprios doutrinadores do common law reconhecem, quando olham para o civil law, que nasdecisões acerca de matéria constitucional, assim como nas que envolvem a aplicação de cláusulas gerais, emque é frequente a necessi<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r concretude ao significado de conceitos jurídicos, não há sequer comoadmitir a distinção, por alguns realiza<strong>da</strong>, entre precedentes interpretativos e precedentes de solução (quecriam o direito). Alega-se que, nesses casos, a interpretação tem tamanho alcance e é guia<strong>da</strong> por argumentostão frágeis e vagos <strong>da</strong> lei escrita que a decisão poderia ser explica<strong>da</strong> tanto pela teoria interpretativista quanto121. As formas do processo sempre foram vistas como “garantia <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des”. Tal relação foi posta às claraspor Vittorio Denti ao advertir que a antiga concepção burocrática <strong>da</strong> função jurisdicional, marca<strong>da</strong> pelaexcessiva racionalização do exercício dos poderes do juiz, foi a responsável pela ideia de criar um modeloúnico de procedimento. Nessa ocasião, Denti lembrou que Chioven<strong>da</strong>, em uma de suas mais famosasconferências, não apenas sublinhou a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s formas como garantia contra a possibili<strong>da</strong>de de arbítriodo juiz, como ain<strong>da</strong> deixou clara “a estreita ligação entre a liber<strong>da</strong>de individual e o rigor <strong>da</strong>s formasprocessuais” (DENTI, Vittorio. Il processo di cognizione nella storia delle riforme. Rivista Trimestrale diDiritto e Procedura Civile, p. 808, 1993; ver CHIOVENDA, Giuseppe. Le forme nella difesa giudiziale deldiritto, 1901).