que lhe deu o legislativo. A feição judicial <strong>da</strong> imposição do direito também é clara – ou ain<strong>da</strong> maisevidente – ao se prestar atenção na tarefa que o juiz exerce quando supre a omissão do legislador diantedos direitos fun<strong>da</strong>mentais. 94 Ora, isso apenas pode significar, aos olhos dos princípios e <strong>da</strong> tradição docivil law, uma afirmação do poder judicial com força de direito, nos moldes do que se concebeu nocommon law.Considerando-se o common law, torna-se fácil constatar a conclusão de que o juiz, na falta de direitopreexistente, realiza ativi<strong>da</strong>de criativa. Na ver<strong>da</strong>de, esta é uma questão que o positivismo de Hart põe ato<strong>da</strong> evidência: “Haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente adeterminado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é dita<strong>da</strong> pelo direito e, nessaconformi<strong>da</strong>de, o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos,o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declararprivado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgãolegislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicarmeramente o direito estabelecido anteriormente”. 9594.Se há normas que violam os princípios de justiça e os direitos fun<strong>da</strong>mentais, existem também omissões, ou ausênciade normas, que agridem esses mesmos princípios e direitos. Por isso, não há razão para entender possível ocontrole <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei e julgar inviável o controle <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> falta de lei. Ora, se ojuiz deve controlar a ativi<strong>da</strong>de legislativa, analisando a sua adequação à Constituição, é pouco mais do queevidente que a sua tarefa não deve se ater apenas à lei que viola um direito fun<strong>da</strong>mental, mas também à ausênciade lei que não permite a efetivação de um direito desse porte. As omissões que invali<strong>da</strong>m direitos fun<strong>da</strong>mentaisevidentemente não podem ser vistas como simples opções do legislador, pois ou a Constituição tem forçanormativa ou força para impedir que o legislador desrespeite os direitos fun<strong>da</strong>mentais, e assim confere ao juiz opoder de controlar a lei e as omissões do legislador, ou a Constituição constituirá apenas proclamação retórica edemagógica. Deixe-se claro, aliás, que a única dúvi<strong>da</strong> que pode pairar sobre a possibili<strong>da</strong>de de o juiz controlar ainconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> omissão no caso concreto diz respeito aos casos em que a norma constitucional atribuiao legislador um dever de legislar. Estes casos, em que o constituinte, de caso pensado, abre uma lacuna nãoofensiva do plano de ordenação constitucional, <strong>da</strong>ndo ao legislador a tarefa de colmatá-la, são completamentediferentes <strong>da</strong>queles em que a ausência de lei não é decorrente <strong>da</strong> não observância de dever de legislar imposto pornorma constitucional, mas ain<strong>da</strong> assim impede a efetivação de um direito fun<strong>da</strong>mental. Ou seja, a omissãoconstitucional não se resume apenas à hipótese em que a norma constitucional outorga ao legislador o dever delegislar, mas também aos casos em que o dever de legislar decorre <strong>da</strong> própria necessi<strong>da</strong>de de proteção de umdireito fun<strong>da</strong>mental, ou melhor, aos casos em que a omissão do legislador nega o próprio direito fun<strong>da</strong>mental. Demodo que, para esses casos, não se pode sequer cogitar sobre os instrumentos técnico-processuais instituídos paraa correção <strong>da</strong> omissão do dever constitucional de legislar, como o man<strong>da</strong>do de injunção (art. 102, I, q, CF). Vejaseque um direito fun<strong>da</strong>mental pode depender de uma regra que lhe dê proteção. Nessa hipótese, configurando-sea omissão legislativa, há ver<strong>da</strong>deira omissão de proteção, devi<strong>da</strong> pelo legislador. Essa omissão pode serreconheci<strong>da</strong> judicialmente, quando o juiz deverá determinar a supressão <strong>da</strong> omissão para <strong>da</strong>r proteção ao direitofun<strong>da</strong>mental. O problema que pode existir, nessa ocasião, relaciona-se com a “forma” mediante a qual o juizdeterminará a proteção. Se o direito fun<strong>da</strong>mental não pode ficar sem proteção, o direito que restou intocado pelaomissão legal certamente só deverá suportar a medi<strong>da</strong> que, <strong>da</strong>ndo proteção ao direito, o sujeite à menor restriçãopossível. Por outro lado, a supressão <strong>da</strong> omissão <strong>da</strong> regra processual é ain<strong>da</strong> mais fácil de ser assimila<strong>da</strong>.Considerando-se a natureza instrumental <strong>da</strong> regra processual, percebe-se sem dificul<strong>da</strong>de quando a sua ausênciaou insuficiência impede a efetiva tutela do direito material. Como o discurso processual, relativo à aplicação <strong>da</strong>regra de processo, recai sobre o discurso que evidencia as necessi<strong>da</strong>des de direito material particulariza<strong>da</strong>s nocaso concreto,basta concluir se o legislador processual deixou de editar regra imprescindível à tutela do direito material. Emcaso positivo, a técnica a ser utiliza<strong>da</strong>, que obviamente deve ser adequa<strong>da</strong> e idônea à proteção <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de dedireito material evidencia<strong>da</strong> na motivação, também deve ser a que causa a menor restrição possível à esferajurídica do deman<strong>da</strong>do (idem, Parte I, item 5.3).95.HART, Herbert L. A. Op. cit., p. 135.
No entanto, percebe-se que há, no civil law, preocupação em negar ou obscurecer – ou talvez tornarirrelevante – o papel que o neoconstitucionalismo impôs ao juiz. Há completo descaso pelo significado <strong>da</strong>nova função judicial. Inexiste qualquer empenho em ressaltar que o juiz, no Estado constitucional, deixoude ser um mero servo do legislativo. Há apenas cui<strong>da</strong>do em demonstrar que o princípio <strong>da</strong> separação dospoderes mantém-se intacto, como se importante fosse apenas a manutenção dos princípios. Como é óbvio,não se quer dizer que o princípio <strong>da</strong> separação dos poderes não mais tem significado ou importância.Deseja-se tão somente demonstrar que, quando se tenta acomo<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de na fôrma <strong>da</strong>s regras ou dosprincípios, corre-se o risco de ver surgir algo que mais parece com uma imagem refleti<strong>da</strong> a partir de umespelho de circo. O vezo de acomo<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de às regras e aos princípios faz com que a reali<strong>da</strong>de sejadistorci<strong>da</strong> e até mesmo nega<strong>da</strong>. São as regras e os princípios que devem adquirir outra conformação,a<strong>da</strong>ptando-se às novas reali<strong>da</strong>des, e não o contrário.A dificul<strong>da</strong>de em ver o papel do juiz sob o neoconstitucionalismo impede que se perceba que atarefa do juiz do civil law, na atuali<strong>da</strong>de, está muito próxima <strong>da</strong> exerci<strong>da</strong> pelo juiz do common law. 96Ora, é exatamente a cegueira para a aproximação <strong>da</strong>s jurisdições destes sistemas que não permiteenxergar a relevância de um sistema de precedentes no civil law.15. O controle <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei no BrasilSabe-se que, no sistema brasileiro, o controle de constitucionali<strong>da</strong>de pode se <strong>da</strong>r mediante açãodireta, dirigi<strong>da</strong> ao Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ou no curso de qualquer ação volta<strong>da</strong> à solução de umcaso conflitivo concreto. 97 O controle <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de também pode ser feito através <strong>da</strong>s técnicas96.“Não obstante as esperanças iniciais dos codificadores revolucionários, todos os sistemas de codificação têmpor muito tempo plenamente reconhecido a necessi<strong>da</strong>de de interpretação, uma vez que é necessário resolverambigui<strong>da</strong>des emergentes, obscuri<strong>da</strong>des e indeterminações nas disposições dos códigos. Resolvê-las de umaforma racional e responsável, no entanto, revela-se tanto uma questão de eluci<strong>da</strong>r a lei através <strong>da</strong> exposiçãode seus princípios subjacentes no sentido de revelar e preservar ou até mesmo constituir-se como um corporacionalmente coerente do direito, como um problema – ca<strong>da</strong> vez mais urgente – de garantir que as regraslegais e os princípios andem razoavelmente juntos com a evolução ou com o desenvolvimento <strong>da</strong>snecessi<strong>da</strong>des sociais. O papel interpretativo tem atingido seu máximo onde a lei escrita é mais fragmentária[skeletal] e, sem surpresa alguma, tem se tornado particularmente evidente (e urgente) no desenvolvimentodo direito público, primeiro através de tribunais administrativos no século dezenove e começo do séculovinte, e em segui<strong>da</strong> – ain<strong>da</strong> mais fun<strong>da</strong>mentalmente – através de tribunais e cortes constitucionais noperíodo pós 1945” (No original: “Notwithstanding the early hopes of revolutionary codifiers, all codifiedsystems have for long fully acknowledged the need for interpretation, for it is necessary to resolve emergingambiguities, obscurities and indeterminacies in the provisions of the codes. Resolving these in a rational andresponsible way, however, proves to be both a matter of eluci<strong>da</strong>ting the law through expounding itsunderlying principles in a way that reveals and preserves or even constitutes it as a rationally coherent bodyof law and a matter – an increasingly urgent one – of ensuring that legal rules and principles march inreasonable time with evolving or developing societal needs. This interpretational role has been at its mostexpansive where the written law is most skeletal and, not surprisingly, has become particularly evident (andurgent) in the development of public law, first through administrative tribunals in the nineteenth and earliertwentieth centuries, and then additionally and yet more fun<strong>da</strong>mentally through constitutional tribunals andcourts in the post-1945 period”) (BANKOWSKI, Zenon; MACCORMICK, Neil; MORAWSKI, Lech; MIGUEL,Alfonso Ruiz. Op. cit., p. 484).97. Ver MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e naAlemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007; MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, PauloGustavo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008; BARROSO, Luis Roberto. Controle deconstitucionali<strong>da</strong>de no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalizaçãoabstrata de constitucionali<strong>da</strong>de no direito brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1995.
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