parliament não significou, simplesmente, a submissão do poder real à norma produzi<strong>da</strong> pelo legislativo,mas a submissão do rei ao direito inglês, na sua inteireza. Este direito submetia o monarca, contendo osseus excessos, mas também determinava o conteúdo <strong>da</strong> produção legislativa, que, sem qualquer dúvi<strong>da</strong>,não podia ser desconforme ao common law. 54De qualquer forma, ao contrário do que sugere Cappelletti, é certo que o princípio <strong>da</strong> supremacy ofthe English parliament não teve a menor intenção de submeter o juiz ao Parlamento ou mesmo o objetivode impedir o juiz de afirmar o common law – se fosse o caso, contra a própria lei. Este princípio, aocontrário do que parece sugerir Cappelletti, teve a intenção de passar a noção de supremacia do direitosobre o monarca e não o propósito de significar onipotência <strong>da</strong> lei ou absolutismo do Parlamento.Ademais, a legislação <strong>da</strong>s colônias não era ver<strong>da</strong>deiramente submeti<strong>da</strong> à lei inglesa, mas simvincula<strong>da</strong> ao direito inglês. O controle <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis coloniais se <strong>da</strong>va a partir do common law,até porque o Parlamento, como já dito, estava submetido a um metadireito ou a uma metalinguagem (ocommon law), e não simplesmente escrevendo as primeiras linhas de um direito novo, como aconteceucom o poder (legislativo) que se instalou com a Revolução Francesa.Desse modo, o controle <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de dos atos <strong>da</strong> colônia, a partir do direito inglês, e o controle<strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis, com base na Constituição americana, não significou uma troca deprincípios ou a subs-tituição do princípio <strong>da</strong> supremacia do parlamento pelo princípio <strong>da</strong> supremacia dojudiciário.Tal troca ou substituição pode ser vista apenas se o raciocínio for pautado pelo significado que asupremacia do parlamento assumiu no civil law, por decorrência <strong>da</strong> Revolução Francesa. Acontece queeste princípio, na Inglaterra, esteve muito longe <strong>da</strong> ideia de supremacia <strong>da</strong> lei sobre o juiz, tendosignificado, na ver<strong>da</strong>de, supremacia do direito sobre o monarca e sobre as próprias leis, inclusive as <strong>da</strong>scolônias. Nesta perspectiva, quando se controlava a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei colonial a partir do direito inglês,afirmava-se o common law e não a lei (nos moldes do civil law). E o juiz, nesta dimensão, já sesobrepunha ao elaborador <strong>da</strong> lei destoante. Por conseguinte, o controle de constitucionali<strong>da</strong>deestadunidense significou muito mais uma continui<strong>da</strong>de do que uma ruptura com o modelo inglês. 55Fora isto, cabe esclarecer que, se é certo que o poder do juiz do civil law submetido à Constituição épróximo ao do juiz estadunidense, criar a norma do caso concreto a partir <strong>da</strong> Constituição também é algobastante similar a criar a norma jurídica a partir do common law ou mesmo a declarar o direito docommon law, como ocorria no direito inglês primitivo. Daí por que se dizer que a noção de criação dodireito, típica do direito jurisprudencial, opõe-se à aplicação estrita <strong>da</strong> lei, própria à tradição do civil law.8. Um esclarecimento: os diferentes significados de “supremacia do parlamento” naInglaterra e na FrançaA supremacy of the English parliament tem significado completamente distinto do <strong>da</strong> supremacia dolegislativo e do do princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, tais como vistos pela Revolução Francesa.A afirmação do Parlamento, sublinha<strong>da</strong> pela Revolução Inglesa de 1688, não teve o propósito demarcar o início de um novo direito, como já dito. O seu caráter foi conservador. Afirmou-se que aRevolução não foi dota<strong>da</strong> de ver<strong>da</strong>deiro “espírito revolucionário”, não desejou desconsiderar o passado e54 .ARGÜELLES, Juan Ramón de Páramo; ROIG, Francisco Javier Ansuátegui. Op. cit., p. 786 e ss.55.Sobre as origens do judicial review, ver CORWIN, Edward S. The doctrine of judicial review: its legal andhistorical basis and other essays. Princeton: Princeton University Press, 1914; NELSON, William E. Marburyv. Madison: the origins and legacy of judicial review. Lawrence: University Press of Kansas, 2000.
destruir o direito já existente, mas, ao contrário, confirmá-lo e fazê-lo valer contra um rei que não orespeitava. 56Portanto, em vez de pretender instituir um novo direito mediante a afirmação <strong>da</strong> superiori<strong>da</strong>de – naver<strong>da</strong>de absolutismo – do Parliament, nos moldes <strong>da</strong> Revolução Francesa, a Revolução Gloriosa instituiuuma ordem em que os poderes do monarca estivessem limitados pelos direitos e liber<strong>da</strong>des do povoinglês.Note-se que a noção de rule of law and not of men não significou apenas o topos aristotélico dogoverno <strong>da</strong>s leis em substituição ao governo dos homens, mas, sobretudo, a luta histórico-concreta que oparlamento inglês travou e ganhou contra o absolutismo. 57O ordenamento <strong>da</strong> Revolução Puritana caracterizou-se pela submissão do poder do monarca, em seuexercício e atuação, a determina<strong>da</strong>s condições, assim como pela existência de critérios reguladores <strong>da</strong>relação entre ele e o Parlamento. Neste ordenamento tem destaque o célebre Bill of Rights, editado noprimeiro ano <strong>da</strong> Revolução, em 1689, ao qual <strong>Guilherme</strong> de Orange foi obrigado a se submeter paraascender ao trono, mediante uma espécie de acordo entre o rei e o Parlamento, visto como representantedo povo. Frise-se que o Bill of Rights, embora tenha, entre seus princípios fun<strong>da</strong>mentais, a proteção <strong>da</strong>pessoa e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e determina<strong>da</strong>s garantias processuais e dimensões <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de política, émarcado, acima de tudo, pela submissão do soberano à lei. 58Não obstante a Revolução Inglesa tenha vencido o absolutismo, com ela o Parlamento não assumiu opoder absoluto, como aconteceu na Revolução Francesa. Como anota Gustavo Zagrebelsky, na tradição <strong>da</strong>Europa continental a luta contra o absolutismo significou a pretensão de substituir o rei por outro poderabsoluto, a Assembleia Soberana, ao passo que, na Inglaterra, a batalha contra o absolutismo consistiu emopor, às pretensões do rei, os privilégios e liber<strong>da</strong>des tradicionais dos ingleses, representados e defendidospelo Parlamento. 59Assim, enquanto na França o legislativo se revestiu do absolutismo por meio <strong>da</strong>produção <strong>da</strong> lei, na Inglaterra a lei representou, além de critério de contenção do arbítrio real, um elementoque se inseriu no tradicional e antigo regime do common law.Como a lei era imprescindível para a realização dos escopos <strong>da</strong> Revolução Francesa, e os juízes nãomereciam confiança, a supremacia do parlamento aí foi vista como sujeição do juiz à lei, proibido que foi,inclusive, de interpretá-la para não distorcê-la e, assim, frustrar os objetivos do novo regime. Aocontrário, tendo-se em vista que, na Inglaterra, a lei não objetivava expressar um direito novo, masrepresentava mero elemento introduzido em um direito ancestral (o qual, antes de merecer repulsa, eraancorado na história e nas tradições do povo inglês), e ain<strong>da</strong> que o juiz era visto como “amigo” do poderque se instalara (uma vez que sempre lutara, misturado ao legislador, contra o absolutismo do rei), nãohouve qualquer intenção ou necessi<strong>da</strong>de de submeter o juiz inglês à lei.Além de a lei jamais ter anulado o poder do juiz, os próprios princípios <strong>da</strong> Revolução Inglesa<strong>da</strong>vam-lhe condição para controlar os atos legislativos a partir do common law, já que o Parlamento,embora supremo diante do monarca, era àquele submetido. 60 Mas, na França – como ficará ain<strong>da</strong> mais56.ARGÜELLES, Juan Ramón de Páramo; ROIG, Francisco Javier Ansuátegui. Op. cit., p. 787.57.ZAGREBELSKY, Gustavo. Op. cit., p. 36 e ss.58 .ARGÜELLES, Juan Ramón de Páramo; ROIG, Francisco Javier Ansuátegui. Op. cit., p. 787-788.59.ZAGREBELSKY, Gustavo. Op. cit., p. 37.60.“Na base do acordo constitucional de 1688, o poder legislativo estava investido não em um governanteautocrático, mas em um órgão eleito, o que significava que o processo de law-making permanecera sujeitoao controle dos diferentes grupos e interesses representados no Parlamento. Além disso, as leis positiva<strong>da</strong>s[statutory enactments] tiveram um papel de menor importância no desenvolvimento geral do direito, o qual
- Page 1 and 2: APROXIMAÇÃO CRÍTICA ENTRE AS JUR
- Page 3 and 4: Jeremy Bentham e John Austin conden
- Page 5 and 6: precedentes. Assim, é realmente po
- Page 7 and 8: perderá autoridade e deixará de m
- Page 10 and 11: De qualquer forma, se, no direito i
- Page 12 and 13: A evolução do civil law, particul
- Page 14 and 15: permitir ao judiciário declarar ou
- Page 18 and 19: claro a seguir -, a supremacia do p
- Page 20 and 21: A preocupação em desenvolver um n
- Page 22 and 23: É preciso atentar, sobretudo, para
- Page 24 and 25: Algo similar aconteceu no direito p
- Page 26 and 27: A certeza do direito estaria na imp
- Page 28 and 29: ase do common law, consistindo uma
- Page 30 and 31: que lhe deu o legislativo. A feiç
- Page 32 and 33: da “interpretação conforme a Co
- Page 34 and 35: Não obstante, o stare decisis tamb
- Page 36 and 37: dentro de um sistema puro de civil
- Page 38 and 39: inconstitucional o poder-dever de s
- Page 40 and 41: possibilidade de arbítrio do juiz.
- Page 42 and 43: propostos por Chiovenda. 127 També
- Page 44 and 45: Bulygin afirma que isso é uma inco
- Page 46 and 47: Contudo, esta amplitude de poder, a
- Page 48: de juiz completamente distinto do d