inconstitucional o poder-dever de submeter a questão ao <strong>Tribunal</strong> Constitucional, cuja decisão temeficácia vinculante.Portanto, a eficácia vinculante própria ao direito alemão não se destina a impedir o juiz de decidirde forma contrária, mas simplesmente o desobriga de valorar a questão ou de remetê-la ao <strong>Tribunal</strong>Constitucional. Quer dizer que, no Brasil, onde se adota o sistema difuso de controle <strong>da</strong>constitucionali<strong>da</strong>de, é necessário impedir o juiz de decidir de modo contrário ao tribunal. 118O fato de o juiz ordinário ter o poder-dever de controlar a constitucionali<strong>da</strong>de obviamente nãosignifica que ele não deve respeito às decisões do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Este respeito decorrelogicamente <strong>da</strong> adoção do sistema de controle difuso e <strong>da</strong> atribuição ao Supremo do dever de <strong>da</strong>r a últimae definitiva palavra acerca <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei federal. Quando se tem claro que a decisão é ummero produto do sistema judicial, torna-se pouco mais do que absurdo admitir a possibili<strong>da</strong>de de o juizordinário contrariar as decisões do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.Registre-se que a eficácia vinculante, deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong>s decisões em controle difuso, fun<strong>da</strong>-se unicamentena força peculiar dessas decisões, oriun<strong>da</strong> do local privilegiado em que o Supremo está localizado nosistema brasileiro de distribuição de justiça. Assim, a eficácia vinculante <strong>da</strong>s decisões do Supremo na<strong>da</strong>tem a ver com comunicação ao Senado, certamente ilógica e desnecessária para tal fim. Ora, no controledifuso, a lei declara<strong>da</strong> inconstitucional continua a existir, ain<strong>da</strong> que em estado latente. A comunicação éfeita apenas para permitir ao Senado, em concor<strong>da</strong>ndo com o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, suspender aexecução do ato normativo. A não concordância <strong>da</strong>quele em na<strong>da</strong> interfere sobre a eficácia vinculante <strong>da</strong>decisão deste. Trata-se de planos distintos. Lembre-se que, nos Estados Unidos, existem casos –certamente excepcionais – em que a Suprema Corte “ressuscita” a lei que estava apenas on the books, ouque, mais precisamente, era vista como dead law, exatamente por já ter sido declara<strong>da</strong> inconstitucional.De qualquer forma, há de se responder à pergunta – que não poderia deixar de ser feita – a respeito<strong>da</strong> compatibili<strong>da</strong>de entre a súmula vinculante e a decisão com eficácia vinculante. Melhor dizendo, épreciso esclarecer a razão para se ter um procedimento específico para a criação <strong>da</strong> súmula vinculantediante <strong>da</strong> eficácia, de igual teor, <strong>da</strong>s decisões proferi<strong>da</strong>s pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> em sede decontrole difuso.O procedimento para criação <strong>da</strong> súmula esconde não apenas uma questão não percebi<strong>da</strong> peladoutrina brasileira, mas, antes de tudo, uma temática nunca estu<strong>da</strong><strong>da</strong> pela doutrina de civil law. Comefeito, essa tradição sempre se preocupou com a interpretação <strong>da</strong> lei, porém nunca dedicou atenção àcompreensão e à interpretação dos precedentes.administrativas” (“Die Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts binden die Verfassungsorgane desBundes und der Länder sowie alle Gerichte und Behörden”).118. “No sistema concentrado, a sentença que aplicou lei posteriormente declara<strong>da</strong> inconstitucional, quandosustenta<strong>da</strong> apenas na lei assim declara<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> Constitucional, faz surgir uma coisa julga<strong>da</strong>inconstitucional. Mas o mesmo evidentemente não ocorre no Brasil, em que o juiz de primeiro grau tem odever de tratar <strong>da</strong> questão constitucional. No sistema em que todo e qualquer juiz tem o dever-poder decontrolar a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, nulificar a sentença transita<strong>da</strong> em julgado que se fundou em leiposteriormente declara<strong>da</strong> inconstitucional pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> significa retirar do juiz ordinário opróprio poder de realizar o controle difuso <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de. A tese <strong>da</strong> retroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> decisão deinconstitucionali<strong>da</strong>de sobre a coisa julga<strong>da</strong> é completamente incompatível com o sistema difuso de controle<strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de. (...) Note-se que isso equivaleria à nulificação do juízo de constitucionali<strong>da</strong>de e nãoapenas à nulificação <strong>da</strong> lei declara<strong>da</strong> inconstitucional. Impedir que a lei declara<strong>da</strong> inconstitucional produzaefeitos é muito diferente do que negar efeitos a um juízo de constitucionali<strong>da</strong>de, legitimado pela própriaConstituição” (MARINONI, <strong>Luiz</strong> <strong>Guilherme</strong>. Coisa julga<strong>da</strong> inconstitucional. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 21-22 e 32).
Ao se pensar em decisão com eficácia vinculante, surge naturalmente a curiosi<strong>da</strong>de de se saber oque, diante do precedente, realmente vincula, assim como quem tem autori<strong>da</strong>de para identificar a porçãodo precedente hábil a produzir o efeito vinculante. Isso se torna fun<strong>da</strong>mental quando o precedente não éclaro ou há dificul<strong>da</strong>de em identificar a tese que efetivamente foi proclama<strong>da</strong> pelo tribunal para a solução<strong>da</strong> questão constitucional.A ratio decidendi nem sempre é imediata e facilmente extraível de um precedente, e, em outrassituações, pode exigir a consideração de várias decisões para poder ser precisa<strong>da</strong>. Nestas hipóteses éimprescindível uma decisão que, sobrepondo-se às decisões já toma<strong>da</strong>s a respeito do caso, individualize aratio decidendi, até então obscura e indecifrável. Foi para tais situações que o constituinte derivadoestabeleceu, no art. 103-A <strong>da</strong> CF, o procedimento para a criação de súmula com efeito vinculante.Quando a ratio decidendi ressai de forma cristalina <strong>da</strong> decisão, a súmula é absolutamente desnecessária.Mas, quando existem decisões de natureza complexa e obscura, deve-se editar súmula para restarprecisa<strong>da</strong> a ratio decidendi. 119Não obstante, decide-se muitas vezes pela edição de súmula vinculante para não pairar dúvi<strong>da</strong> acerca<strong>da</strong> eficácia vinculante que deflui de ratio decidendi claramente delinea<strong>da</strong> em recurso extraordinário.Reprise-se: a súmula vinculante não seria necessária, mas, porque não há pleno consenso de que asdecisões toma<strong>da</strong>s em recurso extraordinário têm eficácia vinculante, encaminha-se a questão para aedição de súmula vinculante para não sobrar dúvi<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> obrigação de respeito à clara ratiodecidendi elabora<strong>da</strong> no recurso extraordinário.17. O juiz diante dos conceitos indeterminados e <strong>da</strong>s regras abertasConsiderando-se o juiz <strong>da</strong> tradição do civil law, isto é, aquele desejado pela Revolução Francesa,torna-se inevitável afastá-lo do julgador que decide com base em conceitos indeterminados e em regrasabertas. Não há dúvi<strong>da</strong> que o juiz que deve decidir pronunciando as palavras <strong>da</strong> lei – como queriaMontesquieu – não pode se confundir com aquele que pode <strong>da</strong>r significado a conceito indeterminado ouconcretizar regra aberta, adotando a solução que lhe parecer oportuna e adequa<strong>da</strong> ao caso concreto.Como advertem Merrymann e Pérez-Perdomo, não se exige muita imaginação para perceber quecláusulas como a <strong>da</strong> boa-fé dão ao juiz grande porção de poder equitativo indefinido, deixando-o quaseque sem responsabili<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong> formulação legislativa. 120É interessante verificar, nesta dimensão, o que se passa no processo civil contemporâneo. Na épocado Estado liberal clássico, vigorava no processo civil o princípio <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s formas processuais.Tratava-se, nas palavras de Giuseppe Chioven<strong>da</strong>, de uma garantia de liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s partes contra a119. Sobre o conceito de ratio decidendi, ver MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent. In:MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. Interpreting precedents: a comparative study. London: Dartmouth,1997. p. 503 e ss.; STONE, Julius. Precedent and law: the dynamics of common law growth. Sydney:Butterworths, 1985. p. 123 e ss.120. “É ver<strong>da</strong>de que o legislador agiu e que sua ação é expressa como uma regra de direito material, mas os termossão tão amplos (‘boa-fé’, que não é defini<strong>da</strong> no código, possui uma área quase ilimita<strong>da</strong> de potencialaplicação) que o juiz quase não é condicionado pela formulação legislativa. O que aquela norma significadepende do uso que o juiz dela faz no caso concreto. O que os juízes fazem com ela nos casos concretos setorna o direito factual [law in fact], apesar de não teórico [law in theory]” (No original: “It is true that thelegislature has acted and that its action is expressed as a substantive rule of law, but the terms are so broad(‘good faith’, which is not defined in the code, has an almost unlimited area of potential application) that thejudge is hardly constrained by the legislative formulation. What that stature means depends on what judges dowith it in concrete cases. What they do with it in concrete cases becomes the law in fact, although not intheory”) (MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. Op. cit., p. 53).
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